Amável Flor
Dia desses, avistei em meio à relva, rente à calçada, um arbusto desses que muita gente diz que é mato. Mas, que para mim, mais que um valor sentimental, possui um simbolismo muito particular.
Essa planta, além da graça e delicadeza que possui, se apresenta impregnada de suaves recordações de minha infância.
A delicada espécie tem as folhas parecidas com as da erva hortelã, um caule longo e ereto que se recobre de minúsculas florinhas azuis, dispostas em formato de espiga. Gervão! Que até bem pouco tempo eu não conhecia sua nomenclatura, chamava-o intimamente por Tio Tonho.
Não resisti. Como nunca resisto aos fluídos sutis que emanam delas: as ínfimas florinhas azuis de cor anil.
Colhi os talozinhos aureolados pelas micro-flores, que assemelhavam-se, cada uma delas a cintilantes olhinhos, a me observarem, sussurrando com suas vozes inaudíveis: Tio Tonho... Tio Tonho...
Tonho e Lina é uma das tantas, românticas, histórias de amor.
Tonho era muito jovem, ainda não tinha “feito a vida”, e estava noivo de Lina que em triste golpe do destino, de repente se viu órfã, desmoronado o lar, sem ter para aonde ir. O noivo não podendo se casar de imediato levou a jovem para ficar na casa de sua irmã, que esperava bebê, e tinha outras tantas crianças, necessitando assim, de alguém para pajear e lhe assistir em tão delicado momento.
Foi assim que Lina veio parar em minha casa. E, enquanto Tio Tonho auxiliava meu pai na roça, na labuta do café, a noiva apaixonada, passeava conosco (que éramos as crianças) pelas campinas e cafezais.
Nesses passeios primaveris, quando ela encontrava um Gervão, dizia: “vamos ver se Tio Tonho gosta de mim?”. E então, ia despindo o caule verde e tenro, uma por uma, das pequeninas flores, dizendo: “bem me quer... mal me quer...”. E assim, durante toda minha vida, aquela plantinha se chamou Tio Tonho.
Meu tio se casou com Lina, que hoje é minha tia, e nunca pude deixar de amá-lo. Embora a espécie Gervão não se chame Tio Tonho – paradoxalmente, meu parente é uma flor de criatura.
Sua voz é terna e mansa, como se jamais houvesse conhecido outra maneira de ser. Nunca o vi indignado, irado, nem sequer se queixar de algo. A maledicência, o julgamento não encontram lugar em sua boca, nele é só amor, só agrado, só o bem.
Ele está ficando velho, quase com oitenta anos. Mas, ainda não perdeu o hábito de visitar os parentes. E, a cada vez que chega em minha casa, como um vento bom que adentra, me surpreendo, ao ver que fica cada vez mais parecido com meu avô.
Como a morte é nosso destino certo, tenho medo de que ela venha, e leve meu ente-querido, assim como levou meu avô.
Quando medito, que o ciclo da vida é nascer, morrer e partir... Então penso que vale a pena viver. Mas, viver tão somente como essa criatura; como uma flor, que não magoa ninguém - espalha o perfume, embeleza o mundo, torna a vida mais bela.
Então me consolo no mito do eterno retorno, a noção de que nada se acaba e tudo se transforma. A água sobe ao céu e desce novamente à terra, é o ciclo da vida!
Nesses retornos, iremos sempre nos reunir novamente – a fim de harmonizarmo-nos – com as pessoas que lesamos e ou magoamos. E como o Criador é Amor Incondicional, permitirá sempre, nos reencontrarmos, também com as pessoas que amamos.
Por: Ana Maria Barreto