Ruptura

É que a possibilidade parecia um balão. Daqueles que sobem com o menor sopro de vento, que alçam voo sem precisar pressionar ou empurrar em demasia.

A sensação da subida proporcionava ter dentro do peito o que se podia ver externamente usando somente os olhos. O corpo enchia-se do mesmo infinito azul, os pulmões se purificavam com o sagrado que havia no ar, o coração não se sentia só devido à distração causada pela paisagem.

Mas, em algum momento, quando estava muito alto e enxergando melhor o que trazia por dentro à causa do silêncio, vi que o que havia era o vazio. O que restou foi a presença do que não estava, a falta do que nem cheguei a tocar com minhas mãos curiosas.

Aí olhei para o lado e constatei que estava mesmo sozinho, como em tantos outros momentos também me encontrei. Rotina. Aquela sensação não era nova e não me causou nenhum tipo de estranhamento. Já tinha passado pela porta que a solidão abre como um abraço afagado muitas vezes.

O que teria acontecido de errado daquela vez? Não pude responder com precisão. Mas acho que, de toda forma, deve ter sido mesmo culpa minha. Culpa da minha indecisão, da minha cautela que não sabe abrigar em si o significado que deveria ter, da minha falta de tato, do meu jeito sempre cíclico, da minha mania de pensar “só mais uma vez, agora vai ser diferente”. Alguma coisa minha estragou tudo.

Mas não acredito que tenha sido a última vez e isso me dá medo. Sou bobo e não consigo aprender com meus erros. O primeiro motivo é que nem sempre consigo perceber onde eles estão. Depois, de um jeito ou de outro, acabo por fazer sempre as mesmas coisas, pisar nos mesmos encaixes do piso, pôr tudo sempre no mesmo lugar. Como poderia mudar o que sou se não acho a chave que usei para trancar aquela gaveta acolhedora dos erros que temos dentro de nós?

“Vou ter que começar tudo de novo”, pensei. Mas tive preguiça. De alguma maneira, estou tendo até agora. Acho que estou cansado demais das tentativas. Eu não quero mais brincar. Não quero mais correr o risco. Será que daqui em diante eu posso guardar meu coração numa caixinha pequena, florida, para não mais precisar sentir-me tão mal? Para quem peço essa permissão?

O pedido que faço é bem simples: convença-me de que não posso ter a casa que sonhei, com grandes portas e janelas, com as paredes pintadas de branco e exalando sorrisos. Convença-me, de uma vez por todas, que nem todos os sonhos devem ser sonhados, pois é muito perigoso.

Mas o faça assim. De uma vez. Como uma má notícia gritada ao amanhecer. Prometo que vou recompor-me. Tenho que vencer isso também. Mas não me deixe assim, com a dúvida da probabilidade.

Não tenha medo de dizer-me que não posso ser feliz em plenitude, ainda que eu o deseje ardentemente. Não é culpa sua e acho que também não é minha. Talvez isso aconteça porque precisamos chorar de vez em quando. Mas já estou cansado disso também e quero passar adiante a obrigação. E não quer dizer que eu seja fraco, de forma alguma. Apesar de parecer sentimental, tenho engolido muitas dores a seco, sei levantar-me quando necessário.

Só não hoje. Hoje eu preciso ficar caído, no chão. Preciso pensar minuciosamente no que fiz e não fiz para tentar entender a que altura do caminho tropecei, quando me distraí. E não tenha pena de me dizer a verdade só porque estou assim. Se me disser de uma vez, levantarei mais rápido, saberei o que fazer, o que dizer para mim mesmo, afinal, sempre curo minhas feridas, uma por uma, com cuidado de mãe.

Não ficarei bravo contigo. Eu prometo. É que se você não me disser que já chega dessas ilusões infantis, sinto que vou continuar alimentando meu vazio. E isso não para nunca. Por isso, ajude-me, por favor. Seja o inimigo mais amigo que já tive e depois parta, pois assim me lembrarei de ti com perfeição, sem as impurezas do convívio, sem as manchas do que é vivido diariamente.

Vamos lá... não fique acanhado. Por que não quer fazer isso por mim? Você já me ensinou tantas coisas, ensine-me essa também. Não confiaria minha decepção a mais ninguém. Não deixaria outro qualquer cortar-me as asas pela raiz deixando somente um par de sandálias velhas para recomeçar a caminhada.

Nessa vida já tive que quebrar muitas promessas que fiz a mim mesmo por não enxergar a verdade. Não quero mais quebrar promessa alguma. Então, livre-me dessas algemas intangíveis para que eu possa caminhar com meus pés fincados no chão e não possa mais voar. Faça-o, por favor.

Lu Carvalho
Enviado por Lu Carvalho em 12/11/2010
Código do texto: T2611547
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