Perfil
Coraticum
Agora percebo somente o ruído do vento e o sol
queimando a pele. Estou tão cansada, tão sem fôlego... o
cansaço já diminui minha agilidade e a preguiça dos meus
pulmões diminui minha atividade cerebral. Tudo parece
rodar. Mas valeu a pena a subida, cada milímetro, só por
essa paisagem que agora tenho de presente.
Subi toda essa montanha para poder falar de
coragem. E o fiz porque precisava experimentar um pouco
do que ela representa, do que ela engrandece. Consegui.
Agora que já sei um pouco do que é ter coragem, posso
arriscar algumas definições. Todas próprias, é claro, e
sem nenhum valor literal atribuído. Mas é tudo o que pude
perceber.
Desde lá debaixo, vi os obstáculos de diversas
formas e tamanhos. Concluí que a coragem não pode ser
metrificada. Não há coragem maior ou menor, mais ou menos
importante, adquirida ou inata. Ela é o que é e já é
nobre desde o seu nascimento. Exterioriza a vontade da
mudança, do movimento, da conquista dos sonhos.
Vai movendo os pés cansados e, quando combinada com
a fé, é quase incontrolável. Tudo pode, tudo anseia, tudo
transforma, tudo diz, tudo se torna. Na hora certa, basta
a coragem. Coragem para abrir mão da certeza, para dizer
adeus, para começar do zero, para curar as feridas, para
dizer o que se sente, para ficar sozinho, completamente
sozinho.
Durante muitos momentos da subida, olhei somente
para cima. Era o objetivo que eu almejava: o cume. E
ouvia a coragem sussurrar ao meu ouvido “você confia em
mim? Confia que posso te levar até o topo?” e decidi que
sim. Não tinha nada a perder e tê-la por perto me deixava
segura. Não me decepcionou em momento algum.
Agora que estou no topo, vejo que deixei passar um
pouco da magia ao olhar sempre para cima. Se tivesse
olhado o tanto que já tinha deixado para trás, teria sido
tão mais fácil, teria tido muito mais orgulho de mim
mesma e inflaria ainda mais a minha coragem para seguir.
Não há mais nada para escalar. Acima de mim, só
meus pensamentos divagando longe, bem longe.
Meus pulmões já voltaram a trabalhar normalmente. Que
bom, pois quero ter o prazer de aproveitar cada segundo,
sem vertigem. Quero buscar aqui todas as certezas que lá
embaixo parecem tão distantes, tão acima de mim. E quero
multiplicar minha coragem, já que senti seu gosto secreto
e constatei sua força heróica. É tão bom, é tudo tão
perfeito.
Sentei ali para pensar um pouco e acabei
perdendo-me no tempo. O céu já parecia algodão doce e
tudo era sorriso, como em festa de criança. “Preciso
voltar”. Detive-me um instante para fazer uma oração.
“Quero que a felicidade mais plena venha como recompensa
para todo aquele que tem coragem. Desde aquele que a tem
para levantar-se pela manhã, apesar do cansaço, até
aquele que ousou deixar seus laços mais fortes e seguir
seus sonhos. Que todo aquele que diz o que sente sem
medo, que ajuda sem esperar nada em troca, que recomeça
diante de qualquer erro, que pede desculpas, que luta e
defende o que acredita... que todos eles sejam felizes.
Mas que, principalmente, que tenham consciência de que
têm na coragem uma aliada fiel, que os tornam sempre mais
fortes, mais admiráveis”. E foi tudo o que meu coração
conseguiu sentir e pedir em exaltação aos que têm
coragem.
Enquanto descia, pensei em outra coisa, em uma
lacuna, na verdade. Mesmo sentindo coragem para seguir,
às vezes senti medo. Não sei ao certo de quê, se de me
machucar, ou de não conseguir chegar ao topo, não
importa. A questão é que tive medo. Pode um corajoso
sentir medo? Não seria isso um golpe de espada à lógica?
Parei um instante. Lembrei do sussurro: “você confia em
mim? Confia que posso te levar até o topo?” e ficou tudo
claro.
Estranho seria se eu não sentisse medo em momento
algum. Não seria humana, atingível, e a coragem não teria
o mesmo valor. Se eu não tivesse medo, não teria motivo
algum para escalar montanhas, para buscar certezas. Tudo
já estaria em seu devido lugar. Isso não existe. Não
existe exatamente porque sou humana e nada pode ser
previsível. As vitórias têm outro gosto quando vêm da
derrota. A coragem tem outro significado quando vem do
medo.
É isso! Foi exatamente isso que fui buscar ali tão
alto. Tive vontade de abraçar todos que tentam qualquer
coisa todos os dias. “Ei! Eu tenho orgulho de você!
Porque você arriscou, jogou-se apesar do medo, foi atrás
de constituir-se como ser humano”. Falho e perfeito.
Que Deus abençoe os corajosos diários! Que Deus
abençoe você!
http://facetardocarvalho.blogspot.com/