Telefonema inesperado

Roberval Matias da Silva; José Antônio Damasceno; Arlindo Pedrosa de Souza. Três amigos, todos nascidos em 1978. O genetlíaco deles era comemorado nos dias 13, 22 e 27 de outubro. Talvez a coincidência do mês e do ano de nascimento os tornara tão parecidos. Divergiam apenas num ponto: os dois primeiros torciam pelo Vasco da Gama, clube destinado às grandes vitórias; o último, Arlindo, tornara-se membro da torcida do urubu, ave de plumagem negra, habitante de fétidos aterros sanitários.

Val e Jô estudaram com mais afinco; a força de vontade e o interesse por um futuro promissor os fizeram vencedores. Roberval tornou-se importador de produtos estrangeiros, depois de o dólar despencar em face da valorização constante do real. A entrada da moeda americana no sistema financeiro, em busca dos altos juros pagos pelo governo era, de fato, preocupante; que o dissessem os exportadores nacionais.

José, por sua vez, seguiu o destino do pai; tonara-se advogado. Conhecido por sua militância partidária, tinha, como clientes, políticos avessos à honestidade. Não lhe faltavam gordas remunerações. O dinheiro chegava às mãos desses sortudos da política a custo zero, às vezes, em grande profusão.

A Justiça jamais incomodou um corrupto, para saber a origem de tão fácil riqueza. As vitórias forenses de Jô e do pai não eram atribuídas ao grande saber jurídico de ambos. Não. Venciam os embates nas Cortes superiores graças… Deus sabe a quem!

Dos três, Arlindo Pedrosa era o menos afortunado. Lindo – assim o chamavam os íntimos – optou pela música, como “instrumento” de remuneração financeira. Sua aptidão artística carecia de muita coisa; ele próprio compunha as melodias que entoava, fazendo-se acompanhar por uma guitarra que reclamava da falta de dedos habilidosos; a voz… Bem, a vibração de suas cordas vocais emitia um som de rabeca rachada; todavia, os ouvintes, influenciados pelo excesso de álcool ou das drogas fartamente consumidas, achavam excelente. Não eram de estranhar os aplausos e a gritaria dos fãs; afinal, diz o adágio popular, no mundo tem gente pra tudo. Uma verdade, confirmada ao se analisar os espectadores dos programas da televisão brasileira; os do Big Brother Brasil e de A Fazenda não deixam mentir este modesto cronista.

Deixo de fazer novos comentários sobre Val e Jô, para focar esta história na pessoa de Arlindo Pedrosa, o Lindo. A fim de não abandoná-los assim tão repentinamente, direi que os dois primeiros exerceram suas atividades sem sobressaltos, fartando-se das regalias que o dinheiro fácil lhes permitira. Val aproveitou os desacertos econômicos e fez prosperar seus negócios como importador de produtos estrangeiros, evitando, com o dólar em baixa, que a inflação tomasse rumo diferente. E o que dizer de Jô? Ficou milionário com sua banca de advocacia. Se o leitor esperava outro resultado, considerando o compadrio do jovem rábula com autoridades judiciárias, talvez acredite em Papai Noel, na Mula sem Cabeça e na honestidade dos políticos.

Lindo consolidava sua carreira investindo em seu “talento artístico”. Remunerava as emissoras de rádio que tocavam suas músicas para que lhe fossem atribuídas as primeiras colocações nas paradas de sucesso; e ainda pagava a peso de ouro as apresentações realizadas nas redes televisivas, como se fossem para atender o glamour dos fãs.

As jovens de boa aparência, exuberantes e moldadas em academias de ginástica, ávidas por oportunidades matrimoniais vantajosas, davam “em cima” do rapaz para conquistá-lo a todo custo. Dessas, ele desfrutou bastante. Possuiu centenas delas, animado pelo Viagra sempre presente nas relações. Executava-se, em seus acasalamentos diários, o uso de preservativos.

Arlindo e suas jovens amantes preferiam o coito ao natural. Ele, para demonstrar saúde, e elas intencionando o filho que lhes garantisse a independência econômica. Todavia, não sabiam que o cantor gastava todo o seu dinheiro com as promoções em torno do seu nome e com o pôquer, jogo de cartas de alto custo e de risco extremo.

Judith Star – nome fabricado para demonstrar pedigree – foi escolhida para convivência mais demorada com o artista. O casal aninhou-se em modesto apartamento. Certo dia, em casa, a moça recebeu um telefonema preocupante:

– Aqui é do laboratório de análises clínicas. Estamos com dois exames de pessoas homônimas: Arlindo Pedrosa de Souza. Um deles revelou que o paciente está acometido do mal de Alzheimer e o outro com AIDS. Não sabemos qual o do seu marido.

– Repitam os exames! – disse Judith, desconhecendo que Lindo procurava o SUS para tratar da saúde.

– Não podemos moça. O SUS paga exames caros uma única vez por paciente.

– O que deverei fazer?

– Deixe seu marido bem longe de casa. Caso ele consiga encontrar o caminho de volta, não faça mais sexo com ele.

– Esta é a solução? – perguntou a companheira, aflita.

– Infelizmente, senhora! – respondeu um informante que, a todo custo, tentava conter o riso debochado.

– Excelente dedução! – disse Judith, examinando o corpo, a procura de algum sinal da doença.