Para onde você vai?
Um grupo de jovens amigos desfrutava as folgas de um feriado prolongado. A empresa na qual trabalhavam era regida por lei estadual e tinha como patrão o governo de Goiás, mandatário absoluto da organização.
A entidade estatal explorava o ramo de distribuição de energia elétrica e não desfrutava de bom conceito entre os citadinos, assíduos reclamantes da falta de eletricidade para manter a economia da região em movimento, iluminar casas e ruas, hospitais e escolas, praças e jardins, estes, povoados por marginais, usuários de drogas pesadas.
A administração do órgão fora entregue a pessoas de diversas especialidades laborais, a maioria sem experiência curricular na área fim da empresa. Alguns correligionários do governador foram nomeados para postos chaves da organização, sem, contudo, demonstrarem eficiência nem formação escolar satisfatória.
Egressos do movimento sindical, indivíduos mal preparados e menos intencionados ainda, apropriaram-se da EGO–Empresa de Energia Elétrica do Estado de Goiás. Os administradores da entidade exercitavam exagerado egoísmo, em detrimento dos interesses de outros, os verdadeiros donos da instituição.
O grupo goiano aproveitou o feriado de 7 de Setembro, uma terça-feira, “enforcaram” a segunda e anteciparam a folga para a quinta, já que às sextas normalmente faltavam ao trabalho, com o ponto abonado pelos dirigentes sindicalistas, não afeitos ao “batente”.
Esquecidos das responsabilidades funcionais e atentos ao movimento de liberdade insinuado pela significativa data resolveram viajar ao vizinho estado de Minas Gerais.
O grupo era composto de seis pessoas. Três casais. Os rapazes portavam mochilas presas às costas, imitados pelas moças que conduziam as suas abarrotadas de cervejas em lata. As bolsas dos garotos transportavam litros da cachaça 51. Eles bebiam essa marca de aguardente influenciados pelo presidente da República, a quem era atribuído excessivo uso da “mardita”.
Imitar o presidente tornou-se moda entre os jovens de coloração vermelha. Muitos até negligenciavam o estudo, pois viam em Sua Excelência um exemplo a ser seguido. Se ele vencera analfabeto, para que estudar? Repetiam entre si a nefasta pergunta, conscientes de adotarem o mesmo princípio.
Na estação rodoviária da cidade, ajudaram a superlotar o ônibus que se destinava a Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. Cada casal ocupou uma poltrona dupla. Das janelas, as mocinhas viam e comentavam com os namorados a vista rural que se descortinava a cada quilômetro percorrido. Uma beleza! Plantações de milho e pastagens verdejantes de grande extensão eram contempladas com o gado a fartar-se da ração que seria regurgitada ao final da tarde, quando o alimento seria remastigado nos currais de pau-a-pique. O sol brilhava forte. As casas das fazendas pareciam caminhar, acompanhando-os na divertida viagem.
O ônibus parou nas cidades de João Molevade, Timóteo (a terra do cantor da velha guarda Aguinaldo Timóteo), Ipatinga e pequenas localidades rurais. Para alguns passageiros era o fim da viagem; para outros, o começo de desconhecida jornada.
O grupo já se manifestava cansado.
Bem mais adiante, foi anunciada a interrupção da viagem. O “bus”, como se chama em inglês, seguiria outro itinerário. Os seis amigos desceram na plataforma de pequeno terminal rodoviário e foram informar-se de como chegar a Bela Vista, cidade que elegeram por destino. Um cidadão cocho da perna direita, usando boné do PSDB, prontificou-se em ajudá-los:
– Para onde deseja ir, pessoal?
– Bela Vista! – respondeu Arnaldo, o líder do grupo.
– Bem, peguem aquele ônibus, que vai para Puta que Pariu…
Arnaldo arvorou-se da arrogância própria dos sindicalistas e peitou o pobre aleijado. O velho não era cadeirante; apenas um deficiente físico sem muita reação.
– Sim, senhor, disse o que coxeava da perna direita, alteando a voz: Você vai a Puta que Pariu, no ônibus que indiquei…
Arnaldo não se conteve e agrediu o deficiente. A covardia era muito comum entre as pessoas do seu convívio e ele pouco se importava com o que julgassem dele.
– Moço, o ônibus de vocês é o 307, que se destina a Puta que Pariu, bairro do município de Bela Vista de Minas, criado em 1962, pela Lei 2764, de 3 de dezembro.
Arnaldo interrompeu o velho, aceitando suas explicações depois que viu o ônibus estampar a vistosa e reluzente placa indicativa do itinerário: “PUTA QUE PARIU”. Porém, não pediu desculpas ao prestativo senhor, homem simples que merecia o respeito mesmo de rudes sindicalistas.
Em conversa com os demais colegas, Arnaldo disse-lhes ter entendido que o velhinho capenga, cuja caminhada lembrava alguém contando, numericamente, “vinte e nove, trinta!”… “vinte e nove, trinta!”, estivesse gozando dele, por estampar no peito um decalque com a expressão: “Dilma”. Como ela será chamada “mãe” dos brasileiros (menos desse modesto escrevinhador), ele pensou que o homenzinho fizera alusão à futura presidente do Brasil.
Arnaldo e o grupo de amigos, depois da viagem a Bela Vista de Minas, ficaram sabendo que quem nasce em Puta que Pariu é chamado de "filho da puta", sem nenhum constrangimento.
Quanto ao leitor, se algum desaforado, um petista, por exemplo, mandar-lhe à “puta que pariu”, não precisa se zangar. Você já sabe onde fica. Dá para ir de ônibus!