Carvalhos

Abaixo do solo, com todos os nutrientes necessários e o cuidado daqueles que parecem não se importar, firmaram-se fortes duas raízes, fecundadas uma ao lado da outra, sem se tocarem ou mesmo se conhecerem física ou espiritualmente.

Eram dois Carvalhos. Suas raízes, que absorviam o clima do ambiente, aprendiam com o tempo de seca e de chuva. Aprendiam a aproveitar o que de mais valioso havia nas camadas intrínsecas da terra. Com suas coifas, pediam licença aos grãos do chão e iam abraçando o solo, cada dia um pouco mais. Quanto mais cresciam e se aprofundavam, mais firmes ficavam e mais riquezas cativavam. A elas eram entregues tudo o que precisavam, absolutamente de graça, só porque, com seus jeitos mansos e decididos, conquistavam a confiança de tudo que se colocava ao redor. Quando chovia demais, elas absorviam a maior parte da água, para não deixar a terra escorrer e perder-se por aí, sem proteção. E quando estava muito seco, ensinavam que é preciso continuar a caminhada de qualquer forma, apesar de qualquer dificuldade.

Depois de constituídas as raízes, surgiram notavelmente seus troncos, verticais e, de um jeito ou de outro, cada vez mais fortes. Mas mesmo crescendo no mesmo espaço temporal, as diferenças entre os caules eram tão visíveis que se podia diferenciar cada uma dessas árvores de muito longe, sob a luz do sol ou guardadas pelas sombras noturnas.

O primeiro caule, repousado à direita, apresentava-se linear e, apesar de sua casa característica, sugeria um toque agradável, familiar.

Inspirava uma sensibilidade quase paradoxal frente à fortaleza de sua formação. O da esquerda, apesar da igual retidão, não era tão acolhedor e trazia sua casca formada de uma grossa espessura, que irritava a mão daqueles que tentavam acariciá-lo, afastando-os quase sem querer.

A característica comum e mais importante, era a força e o tamanho que aqueles troncos adquiriam com o tempo. Força essa formada principalmente pelo calor do sol, pelo vento veloz, pela ferida que causa a insistente e incansável chuva, pelo clima seco que castiga a superfície e por tantos outros indispensáveis “inimigos”, que costumam empurrar e derrubar quando o olhar se fixa acima da linha da realidade chamada horizonte.

Os galhos que o primeiro tinha eram como mãos acolhedoras, sempre dispostas a receber e acalentar toda e qualquer folha que ousasse ficar triste e desanimada. Recebia-as com carinho e as consolava pelo frio ou sol em demasia. Os da outra também acolhiam, sustentavam, mas sem tantas palavras de conforto. Demonstrava com presença e atenção o zelo e importância que dedicava a cada uma.

Subindo mais um pouco, viam-se as folhas. Nisso elas se assemelhavam, pois nas duas árvores, a cor que prevalecia era o verde. Verde brilhante, vívido, daqueles que se percebe ao longe. Verde esperança, verde perseverança, verde certeza. Elas eram o reflexo de suas saúdes interiores, daquilo que sentiam por dentro. Mas aí há também outra semelhança: as duas escondiam nas camadas mais internas aquelas folhas mais escuras, que revelariam um pouco da melancolia e medos que pudessem trazer consigo.

Ali, uma ao lado da outra, o fato de não se conhecerem não evitou o crescimento amparado que tinham. Era como se soubessem que não estavam sozinhas, que não precisavam do martírio da falta para se fazerem infelizes. E assim foram subindo, crescendo, desenvolvendo-se, dia após dia, estação após estação. Até que, de tanto crescer, suas copas se tocaram levemente, como se pedissem licença para aproximar-se uma da outra. Era um reencontro de desconhecidas, a completude de algo que parecia faltar, mas que calmamente esperava pela solução, sem pressa, sem esticar demais ou forçar muito o caule, causando-lhe dor ou desconforto, ou até mesmo exigir que as raízes fizessem seu trabalho tão apressadamente ao ponto de ficarem fracas.

Conheceram-se e se reconheceram. Descobriram que compactuavam sentimentos e reagiam de forma semelhante a adversidades e belezas. E, ao se tocarem, começaram a crescer ainda mais fortes, pois podiam aprender uma com a outra e compartilhar sonhos, vivências, tempo. Podiam tornar-se completas trilhando um mesmo caminho. Sabiam que por terem se encontrado, a força irremediável do tempo, aquela que deixa cada vez mais enrugado o caule, não apagaria o vivenciado. Não importa o que acontecesse com as duas árvores, daquele momento em diante estariam sempre completas. Completas de um passado que alegra o presente e deixa cada vez mais verde o futuro. Era esse o sentimento que agora nutriam.

O reconhecimento foi vagaroso, cheio de cautela e começou assim, em uma tarde quente de verão. Daquele dia em diante, o sol forte só servia para exaltar as belezas que tinham e apresentar cada vez mais uma à outra.

No outono, puderam conhecer-se ainda mais, pois, todas aquelas folhas escondidas em seus íntimos iam aos poucos aparecendo, como uma confissão, como um segredo contado baixinho, devagar. E enquanto contavam, podiam ver as semelhanças, diferenças, sentir amparo, saber o que significa, em realidade, estar acompanhada, estar junto. Mas no fim dessa estação de renovação, quando todas as suas folhas haviam se despedido, elas já não se tocavam e sentiram medo de estarem sós, ou de nunca voltarem a se encontrar. Na tentativa da retomada, tentavam contorcer-se um pouco para ouvir o barulho ao lado, por mais ínfimo que parecesse. E conseguiram. Ouviram os barulhos que a outra produzia e puderam esperar com ansiedade e certeza pela próxima estação.

Quando sentiram os primeiros ventos gelados do inverno, encheram-se de alegria pela possibilidade do reencontro. O frio já não incomodava como antes, não feria com seus golpes repentinos. Os uivos do vento eram cenários para histórias. Histórias inventadas, vivenciadas, construídas, que se aperfeiçoavam e encantavam cada vez mais, assim como um lar sendo construído. Tijolo após tijolo, com seu cimento, suas instalações elétricas, com a alegria da chegada da água no chuveiro.

E tornaram-se tão lindas as histórias que, quando chegou a primavera, já não invejaram as outras árvores que exibiam seus frutos suculentos e flores coloridas, produto de seus árduos trabalhos. Lembravam-se de suas flores tímidas de maio e suas bolotas que por tantas vezes serviam como alimento e não os compararam às maçãs, peras, rosas ou margaridas. Agora elas também tinham seus legados, seus orgulhos, suas histórias. Mas não pense que essas eram exibidas por aí, gritadas com a ajuda do vento. Eram seus elos e guardavam-se em seus ínterins com alegria, fé e admiração.

Depois de passadas as flores o que ficou foi o recomeço. Ficaram páginas em branco onde podiam ser escritas mais coisas, mais alegrias e sonhos. Páginas onde o que haveria eram folhas tocando-se e descobrindo-se em seus constantes estados renovados de uma amizade que renasce sempre com o sopro frio do inverno.

Lu Carvalho
Enviado por Lu Carvalho em 31/10/2010
Código do texto: T2589569
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