Perdidos e achados.
Nas duas últimas festas em que fui, dessas de fim de ano, voltei para casa somente com água na lista de líquido ingerido. Para não dizer que saí das festas absolutamente pura e natural, foi água com gás - adoro.
Experiência ímpar.
Depois da segunda festa, já em casa, imagens das duas noites voltavam em minha mente como se eu tivesse visto algum filme, sido expectadora de cenas sem ter me encaixado em nenhum personagem, sequer entre os figurantes. Eu não estava suficientemente etilizada ao ponto de me integrar ao que o grupo desejava de cada participante.
Por outro lado, a exclusão velada e voluntária me possibilitou essa reflexão, ou constatação, sobre as multifacetadas cenas vividas, interpretadas, experimentadas numa festa. Ti-ti-ti’s à parte.
No começo, os convidados chegando. Nem sempre esse status, convidados, pode ser dado a todos que vão entrando, mas a festa prossegue. Continuando, a chegada carregada de sorrisos, cumprimentos, acenos, roupas ainda bem assentadas em seus manequins. Olhares masculinos e femininos que se buscam (ou se esquivam), avaliam, correm de cima abaixo, de baixo a cima, criticam, aprovam, reprovam, tudo diplomaticamente, com disfarces de civilidade.
Pensando bem, menciono as duas últimas festas, mas desde a adolescência me pegava fazendo isso, estando em certos lugares, seja na noite ou não, saía da cena como atuante e me posicionava como observadora. Será isso o famoso “abstrair”? Fico imaginando um balão suspenso sobre cada pessoa. Daquele balão usado nas falas das histórias em quadrinhos. Visualizo mentalmente balõezinhos que se sustentam sobre bolinhas, e não sobre aquele apêndice pontiagudo. Para quem não se recorda, as bolinhas representam apenas pensamentos, palavras não ditas. E esses balões que fantasio estão preenchidos com a história de vida que cada pessoa carrega consigo, o conteúdo, a essência de cada um. Uns mais cheios, uns menos. Sei que a quantidade não significa, proporcionalmente, o quanto cada enredo tenha de intensidade. Risos, choros, dramas, tragédias, gozos, júbilos, sucessos, fracassos, traumas, complexos, mágoas, raivas, ressentimentos, alegrias, muitas, muitas histórias que armazenamos. Buscas, abandonos, zelos, desleixos. Encontros, desencontros. Coisas, pessoas, sentimentos perdidos; coisas, pessoas, sentimentos talvez procurados em sonhos, em silêncios solitários. Cada um e tudo que veio escrevendo em seus diários ao longo dos anos, no decorrer dos vários relacionamentos que foi construindo, destruindo, ignorando, desmoronando, edificando, lustrando, deteriorando, preservando, matando. Mesmo entre os presentes, certamente ali há pessoas que, explícita ou secretamente, já se esbarraram e que, possivelmente, criaram elos invisíveis que pairam sobre suas cabeças, ou entre seus corações.
Lamento o embolar de contradições que observo. Não vou me ater a casais, a pares conjugais, falo também de grupo de amigos. Nem sempre os que se juntam são os que mais se afinam. Se houvesse uma luz, uma iluminação que tornasse visíveis os supostos elos, provavelmente o ambiente teria um labirinto, uma cama de gato trançada sobre e entre as pessoas. Se houvesse um detector de vontades (se é que isso possa ser algo captável, mensurável), seria um burburinho só, um completo rumor ensurdecedor de vontades reivindicando ações convergentes a elas, e não contradizentes, como cismamos em praticar.
Saindo das festas, que podem tanto confraternizar (em seu genuíno objetivo) quanto infernizar quando, justamente por provocarem alguns reencontros, mexem com sentimentos adormecidos, quiçá ignorados até então, vou ao cotidiano, resolvo dar uma volta em nossas rotinas e aqui não fico no que acima lamento, entro é no questionamento sobre que tipo de chip, de programa, de software (me recuso a achar que seja hardware), implantam na gente quando nascemos e que nos deixa assim, acomodados, conformados com a “verdade” de que não estamos nesta vida para sermos felizes. Ensinam (ou embutem na nossa alma) que encontros são alegres e que desencontros são inevitáveis, tristes e inevitáveis. Sim, em sua maioria é assim mesmo. Porém, quem disse que todo encontro é sinônimo de “bom encontro”? Ao contrário, há os que podemos chamar de péssimos. Nesses casos, o desencontro seria um presente, um “faça-me o favor”, um “preste-me esse benefício”.
Só que nossa cultura é tão cruel que, levados pela onda do “não devo querer ser feliz” (quase um “é pecado e feio sê-lo”), como se cumprindo um carma, o que o destino espera de nós (ou ‘os outros’ esperam?), muitas vezes repelimos o bom encontro, evitamos as boas coisas, as boas pessoas, e inconscientemente somos os únicos causadores dos tantos desencontros que vamos acumulando, como se contabilizando em “Perdas e ganhos”, nessa conta que está no Passivo de nosso Balanço.
Entre devaneios e divagações, transito nos fatos com os quais já me deparei e me deparo diariamente. Casais: quantos se casam, E FINALIZAM seus dias, com o primeiro, ou o grande amor? Conheço poucos. Dos que se casam: quantos vivem harmoniosamente ano após ano? Essa harmonia é agulha no palheiro, quando não utópica. Amigos: onde estão nossos amigos de infância? Ao menos nos lembramos de seus nomes? Ok, sem exageros, deixemos os da infância (tão distante, não é?) para outra etapa dessa retrospectiva quase psicodélica e façamos então a mesma pergunta sobre nossos amigos da adolescência: onde estão, por onde andam, o que foi feito ou fizeram de suas vidas? Conseguimos sequer suspeitar o que cada um, ou algum, um que seja, tenha se tornado profissionalmente, ou como estão afetivamente? Lembramos do que ao menos aquele um, unzinho, sonhava ser?
Vamos deixando que a roda-viva nos arraste, vamos acompanhando o rebanho, até que, a certa altura da vida, da idade, nos deparamos com o que há de mais moderno: um slide como anexo de e-mail, que nos sacode e nos relembra que há pessoas em nosso passado, pessoas por quem daríamos um dos dedos de nossas mãos para revermos, para darmos um Oi, um Alô, um Olá, um Cara, que saudade e como gosto de você! E saímos desenfreadamente na busca de nós mesmos.
Até nisso, nessa hora, saímos de um rebanho e vamos nos unir a outro.
Claro, pois atualmente também virou lugar-comum essa história de reencontrar pessoas do passado, com o advento "internético", ou "internáutico" (talvez os navegadores de carteirinha prefiram essa última), que trouxe a febre dos sites de relacionamento. Com eles, foi-se o tempo em que o passado era tido como um tempo que ficou para trás, que não volta mais. Bobo de quem não usufrui disso. Tolo quem fica à margem apenas analisando e, pior, julgando.
Em nome desses juízes auto-intitulados, que, obviamente, se colocam num patamar intelectualmente superior, há incríveis casos de pessoas que chegam a, consequentemente, se sentirem intelectualmente inferiores aos demais seres viventes porque usam os tais sites, tão facilitadores, e com eles voltaram a ter contato com tanta gente que tempos atrás já tinham dado como perdidas e irrecuperáveis.
O que tem de errado nisso? Se o que de fato é o essencial, o importante, o valioso, na história desses reencontros não é suficientemente digno de reverter esse nosso sentimento de inferioridade, pois que então vejamos pelo lado primário, superficial, de que alguma intelectualidade nos favorece: a de não termos medo da tecnologia, da internet, dos PC’s da vida. Embora eu considere esse prisma um tanto quanto pequeno diante dos muitos abstratos que o cercam, pois que seja algo de positivo, que seja acréscimo ao pacote. Afinal, temos autonomia de criarmos uma nova conta em nosso Ativo: a de “Ganhos e Perdas”.
Nessa hora, dos ganhos serem reconhecidos, a página deles tem que ser grande, com vagas, espaços em branco, sempre com lugares preparados à espera dos novos relacionamentos que seguramente passarão por nosso caminho e que serão oportunidades de aprendizado, de crescimento, com igual importância jornada a fora.
E aqui, finalizo esta pretensa crônica, com o agudo desejo de que cada vez mais os encontros se sobreponham, se sobressaiam, se espalhem indiscriminadamente. Que os encontros sejam mantidos, sejam vistos como possíveis, não perecíveis, eternos, como sempre gostaríamos que fossem. Sigo com o anseio agudo de que eu possa ser disseminadora, ciente de todas as minhas limitações, das mil razões que nos sustentam, nos patrocinam e nos abonam em buscas, em persistências, em tentativas de que os desencontros sejam minimizados, já que inevitáveis, como nos ensinaram.
Há desencontros que assassinam, sem dó nem piedade. Em contrapartida, há encontros que salvam vidas, que afugentam depressões, afastam tendências suicidas, resgatam do fundo do poço, desafogam do lodo, desatolam da lama, da areia movediça, reabrem céus, reacendem luzes, ressuscitam estrelas, reanimam o coração prestes a esmorecer, recuperam a alma arrefecida, reaquecem a Vida, trazem de volta o sorriso, a Fé, a esperança, a certeza de que uma vez alguém encontrado/reencontrado/achado, podemos e devemos, a partir de agora, fazer valer o ‘jamais perdido’.