Conversa estranha
Ultimamente, para descontrair minha meia dúzia de leitores, tenho produzido crônicas baseadas no cotidiano das pessoas. São estórias, às vezes, fictícias, algumas subtraídas de piadinhas nem sempre inocentes.
Uso desse artifício para compensar a falta de criatividade.
Minha intenção é provocar risos a quem as lê, o que, infelizmente, não acontece como desejado. Esforço-me para ser o mais hilariante possível, coisa dificil a pessoas de frágil inspiração como eu.
Aproveito o conteúdo da lorota, sem copiá-la. Aliás, sequer uso a terminologia do texto “inspirativo”. São, portanto, de minha lavra, a criação dos fatos, o desenrolar dos acontecimentos, os personagens e as situações que levam ao desfecho da estória. Esforço-me para dar-lhe nova identidade.
Hoje, vou lhes falar de Josué, rapaz de boa aparência, um metro e setenta de altura, cabelos lisos, compridos, arrumados em forma de coque mantido atrás da cabeça. Sua cabeleira, volumosa e aloirada, fazia-o parecer com o protagonista do filme Psicose, em sua transformação macabra.
O personagem mantinha a mãe morta em sótão de velho e assustador sobrado, palco de assassinatos praticados sob angustiante suspense. A película cinematográfica mantinha o espectador ansioso sobre os acontecimentos. Esse artifício era característico do grande diretor inglês, Alfred Hitchcock.
A história desenrolada no filme é uma ficção. Já a que lhes narrarei é verdadeira, segundo confidenciou-me quem a vivenciou. Não envolve situações que provoquem a impaciência do leitor, submetendo-o a inquietude própria de pessoas nervosas, mas guarda semelhança com fatos narrados de forma misteriosa.
Há quem submeta o ouvinte à inquietação, por mais simples que seja o comentário. Alguns, por ser bons atores, conseguem manter a aura de inexistente mistério.
Contou-me Josué ter viajado a Paraíba. Lá, frequentou as praias de Tambaú, Cabo Branco, Ponta do Seixas, Manaíra e Cabedelo, onde se localiza o porto marítimo do pequeno e acolhedor estado paraibano. Visitou shoppings centers, assistiu a partidas de futebol, uma delas de indelével lembrança. Seu pai era de Campina Grande, ardoroso torcedor do Treze Futebol Clube, agremiação vitoriosa naquela tarde, sobre o Botafogo da capital. Tão logo retornasse a Brasília, contaria a ele os lances do acontecimento bretão que tanto o empolgara.
Ao regressar da praia em ensolarada manhã, Josué foi almoçar no restaurante “Mangai”, denominação paraibana para dar nome a uma variedade de coisas. Era exatamente o que oferecia o Mangai: buchada de bode, sarapatel, galinha de capoeira a cabidela, angu de milho e uma infinidade de comidas típicas e saborosas.
Depois de ingerir algumas doses de “cachaça de cabeça”, produzida na região do Brejo paraibano, Josué refestelou-se gulosamente das iguarias recomendadas pelo pai, antes da viagem.
As horas passaram, a digestão tornou-se lenta, empachante e até provocou-lhe terrível dor de barriga. A diarreia fora resultado da mistura excessiva da cachaça e da buchada de bode gorda, ingerida sem parcimônia.
Josué, que nessa ocasião passeava em um dos shoppings da cidade, correu para a toalete mais próxima. As fortes cólicas faziam borbulhar o que existia de podre no intestino. Sentou-se em um vaso e deixou que o alívio viesse naturalmente. Aos poucos, sentiu-se à vontade. Em dado momento, ouviu da cabine vizinha:
– Você, como vai?
Josué não costumava falar com estranhos, principalmente sem ver-lhe o rosto. Mas, para não ser deseducado, respondeu:
– Vou bem, obrigado!
– Por onde tem andado?
Pensou em não responder, mas lembrou-se da educação ministrada pelo pai, paraibano de boa procedência. Respondeu displicentemente:
– Por aí, ora trabalhando, ora viajando… Amanhã, voltarei a Brasília, onde resido.
– Suponho que vai fazer bons negócios!
Arrependido de ter iniciado conversa com o desconhecido “sem rosto”, respondeu:
– Sim, espero bons resultados. Negocio com o governo e você sabe… é vantajoso demais!
A voz do outro lado, de repente pareceu irritada ao dizer. Olha, vou desligar, pois o celular está quase sem bateria. Ademais, tem um imbecil na cabine sanitária ao lado, respondendo todas as perguntas que faço a você.
Josué aprendeu a lição. Doravante, quando viesse ao gabinete sanitário para cagar, cagaria. Simplesmente faria isso. Nada mais. O colóquio fecal servira de lição. Por mais que insistisse o interlocutor desconhecido, não responderia às suas perguntas se não fosse olho no olho.