VIVER POETICAMENTE
José Ribeiro de Oliveira
O vento sopra calmamente a flor, de um lado para outro, para surgirem das suas entranhas, minúsculos grãos de pólen que irão fecundar o óvulo feminino da espécie e produzir a semente que dará origem a um novo lírio no campo. Enquanto isso, as abelhas deslizam a língua pelos sulcos da flor, sugando o necta com o qual produzirá o mel para alimentar a sua colméia, fadada à invasão do homem, para transformá-la em geléia real.
Esta é a dinâmica da vida! Mas é também a poesia em movimento! Um olhar poético, que permite extrair a leitura mais profunda, conforme a sensibilidade do poeta.
Viver poeticamente é olhar a vida com olhos sensíveis para ver a beleza transformativa que a natureza promove ao sabor das ondas; para ver, nos comportamentos humanos espontâneos, os gestos naturais de desprendimento; para beirar o rio e sentir o vento frio na fronte a soprar; sentar na ribanceira para descansar, cortar a paia na folha seca e pitar, ouvindo ao longe, no silêncio por entre as folhas, o canto do sabiá.
Viver poeticamente é mandar flores, não somente para agradar, mas para fazer aflorar a sensibilidade de quem recebe, e deleitar-se com um simples gesto de carinho.
Viver poeticamente é despertar antes de o dia chegar, anteceder aos raios do sol e contemplar o rastro da noite a desaparecer no horizonte; andar a pé pelo caminho de leito estreito e ornamentado pelo capim ainda encharcado de orvalho, para decantá-lo por entre os dedos “sandaliados”, como se desvirginasse o novo dia.
Viver poeticamente é vivenciar a vida, desde a simplicidade do tic tac do relógio aos mistérios do arco-íris no céu de chuvas vespertinas. É olhar a chuva pela janela, sentir saudade de alguém distante, e até o cheiro por um instante, trazendo lembranças tantas. É calar a voz para dizer sentindo, em sussurros que morrem no peito, tudo que a alma deseja.
Viver poeticamente é contemplar o amor de uma mãe amamentando o filho, despindo-se de todos os demais sentimentos para viver apenas esse.
Viver poeticamente é conseguir dizer: te amo, sem pronunciar palavras.
Viver poeticamente é fazer o bem até a quem nem sabe distingui-lo do mal.
Viver poeticamente é admitir que o horizonte seja apenas uma linha imaginária que sempre se afasta quando nos aproximamos, mas mesmo assim o perseguimos.
Viver poeticamente é reconhecer que tudo o que se sabe é muito pouco, diante do que se precisa aprender do mundo.
Viver poeticamente é desprender-se da vaidade e ver-se pequenino diante da grandeza de quem admiramos, e nos mostrarmos com essa humildade, para sermos vistos exatamente com o mesmo olhar.
Viver poeticamente é encontrar nos gestos o que as palavras não conseguem dizer. Viver poeticamente não é fazer poesia, mas viver a poesia em cada movimento da vida.