UM OLHAR SOBRE O PASSADO
Depois de vários anos os "Instantâneos
do passado" ainda sobrevivem
Em agosto de 1992, três jovens fotógrafos itaboraienses apresentaram na Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres uma exposição que marcou época na cidade: INSTANTÂNEOS DO PASSADO. Eram 50 fotografias, selecionadas entre mais de mil fotogramas, que faziam um registro documental de parte do conjunto arquitetônico e histórico de Itaboraí.
Eu tinha cerca de dois anos militando na imprensa de Itaboraí e a inclinação natural para me aproximar do jornalismo cultural fez com que conhecesse os fotógrafos - Márcio Soares, Ronaldo Soares e Marlus Coutinho Suhet. Seu trabalho era a primeira e verdadeira luz que eu vislumbrava naquele quadro de pouco incentivo à cultura em que a cidade estava mergulhada. No qual, aliás, ainda está ...
Era uma ponte - um trabalho que relacionava o passado, o presente e o futuro de uma cidade que já viveu períodos de glória, mas que há várias décadas vem declinando rumo ao fundo do poço. Por isso, sua importância não poderia ser medida de forma correta naquela época, mas sim num futuro que ainda não está bem definido. Talvez, daqui a cem anos, essas fotos sejam o único registro de Itaboraí no final do século XX, quem sabe.
O mais incrível é que, hoje mesmo, já entrando no século XXI, não há nada tão significativo como forma de resgate da história e da mística de Itaboraí como os instantâneos que os três, despretensiosamente, registraram. O diferencial daquele trabalho era, sem dúvida, a poesia - entenda-se bem, usando poesia como sinônimo de sensibilidade. Era uma arte dos sentidos, que não encantava apenas o visual, mas sim nos transportava a tempos e lugares outros.
Como poetas da imagem, Márcio Soares, Ronaldo Soares e Marlus Suhet pinçaram pérolas entre um patrimônio que - sempre belo e significativo - estava em grande parte abandonado, desprezado, esquecido. Havia um certo sentido de urgência em registrar aqueles INSTANTÂNEOS, antes que tudo ruísse na falta de preservação. Era preciso "refrescar a memória" ou, simplesmente, abrir os olhos de uma cidade para a sua própria beleza.
Em pouco mais de um mês de trabalho, os fotógrafos percorreram lugarejos, distritos e fazendas de Itaboraí, revelando um acervo arquitetônico desconhecido para a maioria dos moradores da própria cidade. A maior parte dos monumentos registrados são construções dos séculos XVII a XIX, um período marcante na história de Itaboraí, em que a cidade desfrutou de importância econômica e política no Estado do Rio de Janeiro e até mesmo no país.
Ao olhar atento de Marlus, Márcio e Ronaldo não escaparam nem mesmo pequenos detalhes. Estavam lá, na exposição, o calçamento de pedras feito há mais de dois séculos, em Porto das Caixas, as Ruínas do Convento Macacu, erguido pelos jesuítas há mais de 300 anos, o Centro Histórico de Itaboraí - que reúne a Igreja Matriz de São João Batista, a Casa de Cultura, a Câmara e a casa do Visconde de Itaboraí, hoje abrigando a Prefeitura - casas de fazenda, igrejas de várias épocas, estações de trem, e muito mais.
Não tenho dúvidas de que os três fotógrafos não tinham a idéia exata da importância do trabalho que estavam realizando, e talvez por isso - por esse espírito amador que guia os verdadeiros artistas - a exposição INSTANTÂNEOS DO PASSADO tenha se transformado em um momento raro. Ainda hoje, o acervo de fotogramas feitos para a exposição mantém-se como o mais significativo produzido sobre Itaboraí.
Ao longo dos anos que se seguiram à exposição, o projeto de um livro para eternizar aqueles INSTANTÂNEOS DO PASSADO sempre esteve em pauta. Era um sonho, não só de Márcio, Ronaldo e Marlus, como também de várias outras pessoas interessadas na preservação da memória de Itaboraí - hora de ressaltar o nome do produtor cultural Sérgio Espírito Santo, que não se cansa de buscar meios para transformar esse acervo em livro. Em 1996, quando do lançamento de uma coletânea com músicos locais, chamada MÚSICA POP DE ITABORAÍ, lá estavam os INSTANTÂNEOS DO PASSADO, compondo a capa do disco, e seguindo vivos na memória.
No ano 2000, cheguei a pensar que o projeto sairia do papel. Fui chamado para escrever um prefácio, ou coisa do gênero, e fiquei alguns dias com uma pasta cheia das provas de contato da exposição. Era como recolher a história nas mãos, guardar em minha casa toda uma cidade. Uma emoção que não pode ser descrita, sem o uso da poesia. Parte do texto que produzi está aqui, nesta reflexão ...
O que me incomoda é saber que lá entre aqueles que comandam os destinos da cidade, do estado, do país, raramente vive alguém com alma de artista, com espírito ligado à cultura, com algum compromisso com a preservação histórica, enfim - dificilmente pode-se encontrar um poeta. São quase todos técnicos que trabalham com fórmulas ou políticos que trabalham com votos. E, talvez, na matemática fria desses que nos governam, cultura e preservação histórica não gerem votos. É uma pena.
Já vão longe os mais de dez anos, desde que Márcio Soares, Ronaldo Soares e Marlus Suhet saíram por Itaboraí, com as câmeras na mão e uma idéia na cabeça, em um trabalho que eles mesmos classificavam como "modesto".
Mesmo tendo, hoje, suas carreiras e sua vida estruturada, os três ainda não possuem meios para bancar uma edição com seus instantâneos, com a qualidade que o acervo merece. Itaboraí também não possui uma editora com condições de bancar o projeto, fruto de anos e anos de estagnação. Pior do que isso, em pleno século XXI, Itaboraí não tem sequer uma livraria. Se não fosse a atitude magnânima de Joaquim Manoel de Macedo, ainda no século XIX, talvez hoje a cidade nem tivesse sua biblioteca pública. É um quadro desolador.
Nesses anos, desde que foi realizada a mostra INSTANTÂNEOS DO PASSADO, aquilo que era "modesto", tornou-se fundamental para a preservação da memória do município, transformando-se no maior trabalho de resgate iconográfico de Itaboraí. Se aqueles que nos governam não conseguem enxergar isso, só me resta continuar gritando - é o que sei fazer melhor.
(Direitos reservados ao autor. Publicado no jornal O GRITO)
Depois de vários anos os "Instantâneos
do passado" ainda sobrevivem
Em agosto de 1992, três jovens fotógrafos itaboraienses apresentaram na Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres uma exposição que marcou época na cidade: INSTANTÂNEOS DO PASSADO. Eram 50 fotografias, selecionadas entre mais de mil fotogramas, que faziam um registro documental de parte do conjunto arquitetônico e histórico de Itaboraí.
Eu tinha cerca de dois anos militando na imprensa de Itaboraí e a inclinação natural para me aproximar do jornalismo cultural fez com que conhecesse os fotógrafos - Márcio Soares, Ronaldo Soares e Marlus Coutinho Suhet. Seu trabalho era a primeira e verdadeira luz que eu vislumbrava naquele quadro de pouco incentivo à cultura em que a cidade estava mergulhada. No qual, aliás, ainda está ...
Era uma ponte - um trabalho que relacionava o passado, o presente e o futuro de uma cidade que já viveu períodos de glória, mas que há várias décadas vem declinando rumo ao fundo do poço. Por isso, sua importância não poderia ser medida de forma correta naquela época, mas sim num futuro que ainda não está bem definido. Talvez, daqui a cem anos, essas fotos sejam o único registro de Itaboraí no final do século XX, quem sabe.
O mais incrível é que, hoje mesmo, já entrando no século XXI, não há nada tão significativo como forma de resgate da história e da mística de Itaboraí como os instantâneos que os três, despretensiosamente, registraram. O diferencial daquele trabalho era, sem dúvida, a poesia - entenda-se bem, usando poesia como sinônimo de sensibilidade. Era uma arte dos sentidos, que não encantava apenas o visual, mas sim nos transportava a tempos e lugares outros.
Como poetas da imagem, Márcio Soares, Ronaldo Soares e Marlus Suhet pinçaram pérolas entre um patrimônio que - sempre belo e significativo - estava em grande parte abandonado, desprezado, esquecido. Havia um certo sentido de urgência em registrar aqueles INSTANTÂNEOS, antes que tudo ruísse na falta de preservação. Era preciso "refrescar a memória" ou, simplesmente, abrir os olhos de uma cidade para a sua própria beleza.
Em pouco mais de um mês de trabalho, os fotógrafos percorreram lugarejos, distritos e fazendas de Itaboraí, revelando um acervo arquitetônico desconhecido para a maioria dos moradores da própria cidade. A maior parte dos monumentos registrados são construções dos séculos XVII a XIX, um período marcante na história de Itaboraí, em que a cidade desfrutou de importância econômica e política no Estado do Rio de Janeiro e até mesmo no país.
Ao olhar atento de Marlus, Márcio e Ronaldo não escaparam nem mesmo pequenos detalhes. Estavam lá, na exposição, o calçamento de pedras feito há mais de dois séculos, em Porto das Caixas, as Ruínas do Convento Macacu, erguido pelos jesuítas há mais de 300 anos, o Centro Histórico de Itaboraí - que reúne a Igreja Matriz de São João Batista, a Casa de Cultura, a Câmara e a casa do Visconde de Itaboraí, hoje abrigando a Prefeitura - casas de fazenda, igrejas de várias épocas, estações de trem, e muito mais.
Não tenho dúvidas de que os três fotógrafos não tinham a idéia exata da importância do trabalho que estavam realizando, e talvez por isso - por esse espírito amador que guia os verdadeiros artistas - a exposição INSTANTÂNEOS DO PASSADO tenha se transformado em um momento raro. Ainda hoje, o acervo de fotogramas feitos para a exposição mantém-se como o mais significativo produzido sobre Itaboraí.
Ao longo dos anos que se seguiram à exposição, o projeto de um livro para eternizar aqueles INSTANTÂNEOS DO PASSADO sempre esteve em pauta. Era um sonho, não só de Márcio, Ronaldo e Marlus, como também de várias outras pessoas interessadas na preservação da memória de Itaboraí - hora de ressaltar o nome do produtor cultural Sérgio Espírito Santo, que não se cansa de buscar meios para transformar esse acervo em livro. Em 1996, quando do lançamento de uma coletânea com músicos locais, chamada MÚSICA POP DE ITABORAÍ, lá estavam os INSTANTÂNEOS DO PASSADO, compondo a capa do disco, e seguindo vivos na memória.
No ano 2000, cheguei a pensar que o projeto sairia do papel. Fui chamado para escrever um prefácio, ou coisa do gênero, e fiquei alguns dias com uma pasta cheia das provas de contato da exposição. Era como recolher a história nas mãos, guardar em minha casa toda uma cidade. Uma emoção que não pode ser descrita, sem o uso da poesia. Parte do texto que produzi está aqui, nesta reflexão ...
O que me incomoda é saber que lá entre aqueles que comandam os destinos da cidade, do estado, do país, raramente vive alguém com alma de artista, com espírito ligado à cultura, com algum compromisso com a preservação histórica, enfim - dificilmente pode-se encontrar um poeta. São quase todos técnicos que trabalham com fórmulas ou políticos que trabalham com votos. E, talvez, na matemática fria desses que nos governam, cultura e preservação histórica não gerem votos. É uma pena.
Já vão longe os mais de dez anos, desde que Márcio Soares, Ronaldo Soares e Marlus Suhet saíram por Itaboraí, com as câmeras na mão e uma idéia na cabeça, em um trabalho que eles mesmos classificavam como "modesto".
Mesmo tendo, hoje, suas carreiras e sua vida estruturada, os três ainda não possuem meios para bancar uma edição com seus instantâneos, com a qualidade que o acervo merece. Itaboraí também não possui uma editora com condições de bancar o projeto, fruto de anos e anos de estagnação. Pior do que isso, em pleno século XXI, Itaboraí não tem sequer uma livraria. Se não fosse a atitude magnânima de Joaquim Manoel de Macedo, ainda no século XIX, talvez hoje a cidade nem tivesse sua biblioteca pública. É um quadro desolador.
Nesses anos, desde que foi realizada a mostra INSTANTÂNEOS DO PASSADO, aquilo que era "modesto", tornou-se fundamental para a preservação da memória do município, transformando-se no maior trabalho de resgate iconográfico de Itaboraí. Se aqueles que nos governam não conseguem enxergar isso, só me resta continuar gritando - é o que sei fazer melhor.
(Direitos reservados ao autor. Publicado no jornal O GRITO)