OS ADVOGADOS E O DIREITO DE DEFESA

Apenas quem já foi acusado injustamente
compreende o valor do direito de defesa
  

     Toda uma torcida se revolta com um erro de arbitragem em um jogo de futebol. Um pênalti não marcado, uma expulsão injusta, um gol em impedimento, são motivos para xingamentos e protestos que, muitas vezes, levam a atos de violência. O erro de arbitragem não é tolerado, porque envolve paixões. O erro judiciário sim. 
     As prisões, em todo o mundo, estão abarrotadas – e uma grande massa entre os presidiários é composta por inocentes, ou por criminosos que já cumpriram pena, mas que não foram libertados. Há, também, os que aguardam julgamento em uma interminável prisão preventiva, numa espécie de vestibular para o sistema penal. Aqui de fora, generalizamos – tratamos todos como culpados. A violência pandêmica tem muita culpa nisso. 
     Só que a realidade e a ficção ensinam muita coisa a quem vive a vida com disposição para aprender. Muito se reclama da Justiça brasileira, que é lenta e concede amplo direito de defesa. Falam em pena de morte, rito sumário, etc. Pois afirmo: bendito direito de defesa! Os erros acontecem, então, antes inocentar um criminoso do que condenar um inocente. A Justiça é lenta por vários motivos – esse é apenas o menos relevante. 
     Numa abstração muito interessante, típica da ficção científica, o conto “O homem que inventou os advogados”, de Aléxis A. Gilliland, trata de uma sociedade onde não existe, como conhecemos, o direito de defesa, nem mesmo a figura controversa do advogado – onde todo mundo é culpado até que prove o contrário. Acredite, você não ia querer viver num lugar assim. Condenado por evidências, executado por denúncias sem prova. 
     Não são poucos os filmes e livros que remetem a erros judiciários – geralmente causados pelo cerceamento do direito de defesa ou a regimes autoritários, que substituem o direito pela força. Também há os casos de evidências forjadas, prisões arbitrárias por motivos como o preconceito racial ou perseguição política. 
     Quem não assistiu a algum filme, como “O fugitivo” e “Acima de qualquer suspeita” com Harrison Ford, ou “Justiça Vermelha” com Richard Gere, em que todas as evidências apontam para um inocente, que tenta provar que não fez nada. 
     Pior que a ficção, sem dúvida, é a realidade. Quantos inocentes condenados à morte ao longo da História – desde Sócrates, envenenado, passando por Joana D´Arc e milhares de mortos na Inquisição, milhares de decapitados na Revolução Francesa, executados na China de Mao ou na URSS de Stalin, inocentes anônimos condenados à cadeira elétrica, forca, paredón, câmaras de gás, em países ditos civilizados. Quantos linchamentos injustos. 
     A pena capital é cruel porque não pode ser reparada e o risco de erro deve ser sempre considerado. Oferecer a um acusado o pleno direito de defesa é fundamental para que se reduza essa margem de erro. Os recursos judiciais e habbeas-corpus, que tanto nos irritam em casos como os de Paulo Maluf e José Dirceu, são instrumentos jurídicos válidos e – diria até – necessários à vida em sociedade. Se, por motivos diversos, um pobre não tem o mesmo acesso a eles, é um erro do Estado, não da Lei. 
     Talvez apenas quem já foi, algum dia, acusado injustamente de alguma coisa, por menor que fosse, entenda a importância do direito de defesa. A injustiça dói. 
     Sinceramente, até mesmo nos recentes escândalos políticos como o caso do Mensalão de Roberto Jefferson, José Dirceu e companhia, das falcatruas de Paulo Maluf, no abuso eleitoral de Anthony Garotinho, e tantos outros com os quais nem vale a pena gastar palavras, não acredito na inocência dos acusados. As provas levarão à condenação, quando o direito de defesa for esgotado. E, em último caso, ainda existe a justiça divina, que não falha. 
     Prefiro o jogo assim, do que ficar depois, na torcida, xingando o juiz pelo erro cometido. 

(Direitos reservados ao autor. Publicado pela primeira vez em 27/11/2005 no blog do autor)