Papai, quanta saudade...

....Na esperança que um dia seu coração me leia.

Em tempo: meu pai está vivo, mora na mesma cidade à distância de um carro. Parei de escrever nesse instante, peguei o telefone, liguei no trabalho dele:

- Oi papai, ta muito ocupado?

- To sim meu filho, ta tudo bem com você?

- To bem pai, só to me sentindo sozinho, e quis ouvir sua voz.

- Oh, meu filho, fico feliz de você ter lembrado de mim, me liga um dia desses pra gente combinar de almoçar.

- Ta pai, eu ligo.

_ Um beijo então.

_ Beijo papai, fica com Deus.

Tu... tu... tu... tu...

Tenho tanta saudade de você pai, de quando eu era criança, e você me pegava três vezes por semana na casa da mamãe e a gente ia pro clube, depois tomávamos caldo de mocotó no bar Pantera cor de rosa. Lembro tanto dos dias em que eu dormia na sua casa e você lia um livrinho que se chamava: “Contos Pátrios”, eu ia pegando no sono, você me beijava, me cobria, e apagava a luz do quarto. Cada dia que vivi isso era como um grande presente de Deus pra mim, porque lembro tanto dessas pequenas coisas, dos seus carinhos, dos seus ensinamentos.

Creio mesmo que o maior culpado pela nossa “distância” seja eu. Me arrisquei em caminhos errados, te decepcionei. Hoje renovo minhas forças nas lembranças de nossos bons momentos. É o preço que terei que pagar para sempre.

Sabe papai, não é fácil ser um Homem, e talvez no seu conceito eu nem mesmo tenha conseguido. Será errado um homem de trinta e quatro anos sentir tanta saudade do papai? Como eu gostaria de poder abraçá-lo! Não como quem se encontra por acaso na feira, mas como filho. Ledo engano de meu aprendizado: hoje faço o mesmo com meu filho, e ouço ele dizendo toda hora na minha mente: vovó, porque o papai não vem me ver? Me dá medo pensar que fui e sou tão incompetente assim, perdi meu pai, perdi meu filho. Você deve ter razão, acho que não consegui me tornar um Homem de verdade.

Mas aprendi algumas coisas nessa vida.

Aprendi a ser honesto, a ser fiel à minha esposa. Aprendi a amar os animais, a natureza, a escrever poemas, a salvar vidas.

A última vez que te vi, comentei de uma palestra que havia dado sobre redução de desastres, e você me respondeu: e onde você aprendeu isso? Tive forças pra te responder antes de ir embora. Papai, eu faço isso há dez anos, é o meu trabalho. Você não sabia. Como eu deixei isso acontecer???

Será papai, que você sabe que as pessoas gostam de mim? Que me acham uma pessoa boa e inteligente? Será que você sabe que eu me ajoelho ao altar do quintal, com minha Nossa Senhorinha de louça desbotada que havia quebrado e eu colei, e que esse altar está à sombra de um bálsamo que eu mesmo plantei e é lá que oro por você?

É papai, eu me ajoelho e oro por você, pelo meu filho, seu neto. E oro pra tentar entender se ainda conseguirei resgatar essa parte da minha dignidade que me vasa pelas mãos como areia ao vento, como quem diz a si mesmo: sou um homem incompleto. Morrerei incompleto.

Minhas lamurias são conseqüências de minhas atitudes e nem careço de penas ou retaliações. Eu te amo. Tenho saudades, mas acho que nem tenho forças direito pra ter saudade de te ver. Tenho saudade do papai, terei sempre.

Um abraço, Deus lhe guie. E quem sabe um dia a gente não se encontra pra um almoço informal, até lá, a gente vai se trombando na feira aos domingos, eu vou beijar seu rosto, você vai perguntar se está tudo bem, a gente fala desse almoço e segue cada um pro seu lado, como aconteceu nas nossas vidas.

Se não sabe, quero que ao menos isso saiba: eu olho pra traz, olho e fico te vendo sumir na multidão. Eu sempre olhei pra traz papai, você sabia?

Fique com Deus.

Seu filho, que por hora se perdeu do próprio nome.