RÉQUIEM PARA O TRANSPORTE ALTERNATIVO
Só mesmo os coreanos poderiam difundir
um instrumento de tortura que se move
Já entendi porque quem produziu e disseminou pelo mundo as vans, peruas, topics, towners e outras latas de sardinha utilizadas no transporte alternativo foram os coreanos: você já viu um coreano típico? São pequenos, magrinhos, com gestos contidos. Em suma, cabem sem esforço em qualquer lugar. Sorte a deles.
Eu, que não sou assim tão alto para o padrão do brasileiro (pouco mais de 1,80m) nem estou tão fora de forma, sinto um desconforto indescritível quando sou obrigado, por qualquer circunstância, a viajar em uma delas. Só mesmo o desespero de um atraso iminente me leva a cometer essa loucura. E, é claro, o arrependimento bate logo depois, quando a sessão de tortura começa.
Hoje, perdi o ônibus por dois ou três minutos. Moro a 60 Km do meu trabalho e, geralmente, viajo nos ônibus que fazem a rota Rio-Cabo Frio. Como perdi aquele horário, estava fadado a esperar 45 minutos e, obviamente, chegar atrasado. Foi quando passou aquela van, convidativa, rápida, com o canto da sereia: “sua salvação é aqui”.
O único lugar vago ficava na última fileira, aquela que deve ter sido projetada especialmente para transportar crianças. As pernas de um adulto, sem sombra de dúvida, não cabem lá. Viajei feito um canivete suíço, com todas as “ferramentas” dobradas. Por 45 minutos! O cidadão à minha direita tentava se equilibrar sobre o espaço para o pneu. O da esquerda, coitado, agonizava, espremido.
Entendam, não sou contra o transporte alternativo – longe disso – até porque ele tirou as empresas de ônibus de sua tranqüilidade. Os empresários sempre fizeram questão de maltratar o usuário, lotando os ônibus na hora do rush e diminuindo a oferta de veículos nos outros horários. No entanto, é preciso aplicar um mínimo de bom senso – quem sabe até a própria Declaração dos Direitos Humanos – ao transporte nas vans.
Agora, à noite, voltando para casa no confortável ônibus de viagem, com ar condicionado, arrumei espaço para escrever no meu indefectível bloquinho, ouvir um bom rock meu discman e ainda fazer um lanchinho. Se o celular tocar, vou poder atender com a maior facilidade, sem acotovelar ninguém. Melhor ainda: paguei mais barato e com vale transporte (o motorista da van de hoje não quis aceitar ...) Não tem comparação!
Tudo bem, eu sei que inventaram os tais "microônibus", que poderiam se chamar "microondas". Para mim, eles também são vans.
Só para fechar o assunto, num verdadeiro réquiem ao transporte alternativo, vou contar um episódio que seria trágico, se não fosse cômico, acontecido comigo no final do ano passado. Eu estava atrasado (isso acontece uma ou duas vezes no mês) e cometi a loucura: acenei para uma van que passava. Entrei, me espremendo, e antes que eu pudesse sentar, o motorista arrancou, cantando os pneus.
Desequilibrado, fui jogado para trás e acertei, literalmente, a bunda na cara de uma simpática senhora que, para o nosso azar, estava de óculos. Os meus oitenta e poucos quilos, graças à inércia, devem ter parecido uns duzentos no nariz da senhora, que (edipianamente) até lembrava a minha mãe. Quando recuperei a compostura, percebi que tinha desmontado os óculos e provocado um hematoma no nariz da passageira ...
Para piorar, tentei puxar conversa e me desculpar pelo acontecido. Ela começou a contar que a vida dela estava uma porcaria e que aquele acidente só fazia aumentar a sensação de que tudo estava dando errado. Acabei me sentindo um agente do mal na Terra ... Para me redimir, pedi para examinar os óculos e passei meia hora tentando consertá-lo – e, por algum milagre, consegui. Fiquei meses sem viajar de van.
Sou absolutamente contra os ônibus lotados, em que as pessoas se espremem e esfregam para tentar se locomover, mas tenho horror absoluto às câmaras de torturas móveis que passam por aí. Nos dois casos, é como usar um sapato três números menor: doloroso e degradante!
(Direitos reservados ao autor. Publicado pela primeira vez em 12/05/2005 no blog do autor)
Só mesmo os coreanos poderiam difundir
um instrumento de tortura que se move
Já entendi porque quem produziu e disseminou pelo mundo as vans, peruas, topics, towners e outras latas de sardinha utilizadas no transporte alternativo foram os coreanos: você já viu um coreano típico? São pequenos, magrinhos, com gestos contidos. Em suma, cabem sem esforço em qualquer lugar. Sorte a deles.
Eu, que não sou assim tão alto para o padrão do brasileiro (pouco mais de 1,80m) nem estou tão fora de forma, sinto um desconforto indescritível quando sou obrigado, por qualquer circunstância, a viajar em uma delas. Só mesmo o desespero de um atraso iminente me leva a cometer essa loucura. E, é claro, o arrependimento bate logo depois, quando a sessão de tortura começa.
Hoje, perdi o ônibus por dois ou três minutos. Moro a 60 Km do meu trabalho e, geralmente, viajo nos ônibus que fazem a rota Rio-Cabo Frio. Como perdi aquele horário, estava fadado a esperar 45 minutos e, obviamente, chegar atrasado. Foi quando passou aquela van, convidativa, rápida, com o canto da sereia: “sua salvação é aqui”.
O único lugar vago ficava na última fileira, aquela que deve ter sido projetada especialmente para transportar crianças. As pernas de um adulto, sem sombra de dúvida, não cabem lá. Viajei feito um canivete suíço, com todas as “ferramentas” dobradas. Por 45 minutos! O cidadão à minha direita tentava se equilibrar sobre o espaço para o pneu. O da esquerda, coitado, agonizava, espremido.
Entendam, não sou contra o transporte alternativo – longe disso – até porque ele tirou as empresas de ônibus de sua tranqüilidade. Os empresários sempre fizeram questão de maltratar o usuário, lotando os ônibus na hora do rush e diminuindo a oferta de veículos nos outros horários. No entanto, é preciso aplicar um mínimo de bom senso – quem sabe até a própria Declaração dos Direitos Humanos – ao transporte nas vans.
Agora, à noite, voltando para casa no confortável ônibus de viagem, com ar condicionado, arrumei espaço para escrever no meu indefectível bloquinho, ouvir um bom rock meu discman e ainda fazer um lanchinho. Se o celular tocar, vou poder atender com a maior facilidade, sem acotovelar ninguém. Melhor ainda: paguei mais barato e com vale transporte (o motorista da van de hoje não quis aceitar ...) Não tem comparação!
Tudo bem, eu sei que inventaram os tais "microônibus", que poderiam se chamar "microondas". Para mim, eles também são vans.
Só para fechar o assunto, num verdadeiro réquiem ao transporte alternativo, vou contar um episódio que seria trágico, se não fosse cômico, acontecido comigo no final do ano passado. Eu estava atrasado (isso acontece uma ou duas vezes no mês) e cometi a loucura: acenei para uma van que passava. Entrei, me espremendo, e antes que eu pudesse sentar, o motorista arrancou, cantando os pneus.
Desequilibrado, fui jogado para trás e acertei, literalmente, a bunda na cara de uma simpática senhora que, para o nosso azar, estava de óculos. Os meus oitenta e poucos quilos, graças à inércia, devem ter parecido uns duzentos no nariz da senhora, que (edipianamente) até lembrava a minha mãe. Quando recuperei a compostura, percebi que tinha desmontado os óculos e provocado um hematoma no nariz da passageira ...
Para piorar, tentei puxar conversa e me desculpar pelo acontecido. Ela começou a contar que a vida dela estava uma porcaria e que aquele acidente só fazia aumentar a sensação de que tudo estava dando errado. Acabei me sentindo um agente do mal na Terra ... Para me redimir, pedi para examinar os óculos e passei meia hora tentando consertá-lo – e, por algum milagre, consegui. Fiquei meses sem viajar de van.
Sou absolutamente contra os ônibus lotados, em que as pessoas se espremem e esfregam para tentar se locomover, mas tenho horror absoluto às câmaras de torturas móveis que passam por aí. Nos dois casos, é como usar um sapato três números menor: doloroso e degradante!
(Direitos reservados ao autor. Publicado pela primeira vez em 12/05/2005 no blog do autor)