O MUNDO: ESTE ETERNO COLISEU
No circo romano de hoje, leões e
vítimas vestem os hábitos mais variados
Depois da palavra arma, talvez nenhuma outra esteja tão relacionada a mortes, guerras e violência contra minorias do que a palavra religião. O fato de alguém não professar a sua fé, subliminarmente, dá a você o direito de o perseguir até as últimas conseqüências – pelo menos é assim que a coisa funciona na prática, mesmo que a teoria seja diferente. Desde coisas pequenas, como o “atendimento cristão” (que tecnicamente diz “Ímpios, go home!”) a genocídios, tudo se justifica nas letras dos livros sagrados.
Mas, usando uma palavra tão presente no vocabulário religioso, a culpa é de quem? Deus, certamente, nada tem a ver com isso, chame-se ele Jeová, Alá ou qualquer coisa. A violência e o preconceito, a inveja e a intolerância são coisas puramente humanas. O problema reside exatamente aí: as religiões também são uma coisa absolutamente humana. Seus profetas e líderes, por mais iluminados que fossem, nada mais eram que homens – e só por esta frase eu poderia ser perseguido por uma dezena de credos.
Os grandes massacres religiosos estão aí, nas páginas da História e nos jornais, para não me deixar mentir. Os cristãos no Coliseu, os judeus pela inquisição católica e pelos nazistas, os muçulmanos pelos cruzados e vice-versa, os protestantes pelos católicos na “noite de São Bartolomeu”, os católicos pelos protestantes na Irlanda, os judeus e muçulmanos em guerra na palestina – enfim, uma lista que ocuparia páginas, não apenas parágrafos, de crueldades em nome de Deus. E esses são apenas os grandes crimes, aquilo que de tão vergonhoso salta aos olhos. Mas e os pequenos crimes e violências do dia-a-dia?
Certas pessoas afirmam que este fenômeno – o uso da religião como justificativa da violência – acontece porque certos credos são naturalmente violentos. Seria o caso do Islamismo, defendem essas pessoas. Nada mais estúpido – até mesmo as religiões mais pacifistas e cordatas perpetuam violências de alguma forma. O cristianismo, cujo profeta se entregou à execução sem pegar em uma arma para se defender, invadiu, pilhou, dizimou populações inteiras, queimou supostos bruxos e hereges, fez ouvidos moucos para as atrocidades nazistas e muito mais. E não estou falando apenas no Catolicismo, mas também dos ditos evangélicos – que no Brasil de hoje usam a mídia e a política para oprimir quem vai contra seus interesses.
O taoísmo nipônico justificou os vôos kamikazes, o pacífico hinduísmo – que deu ao mundo um ser iluminado como Gandhi – perpetua um sistema de castas tão cruel como um campo de concentração. Perseguidos e perseguidores se confundem, como se todos só enxergassem o demônio nos outros, não em si mesmos. Terrorismo, invasões de países, segregação social, abusos do direito – tudo na esteira da intolerância religiosa.
As teologias encobrem ranços e maniqueísmos e permitem, também crimes silenciosos. Quantas pessoas de diversas religiões morrem todos os dias por obedecerem ao dogma “não usarás camisinha!”, enquanto desobedecem certas regras sobre fidelidade ou castidade? Aliás, o sexo – uma atividade humana que não pode ser ignorada ou varrida para baixo do tapete – é um assunto muito mal resolvido pelas religiões.
Até a falta de religião, imaginem, é motivo para preconceito – tantos ateus perseguidos como hereges, tantos religiosos perseguidos pelos ateus com aquela velha casca de comunistas, stalinistas, maoístas (está aí o Tibet que não me deixa mentir).
Paralelo ao problema das massas movidas por representantes de Deus na Terra há a questão básica: não tenham dúvidas de que cada pessoa vê Deus de uma maneira diferente da outra. Entre dois indivíduos de uma mesma religião, sempre haverá duas visões sutilmente diferentes de Deus – no fundo, eles estarão discordando em algum ponto.
A verdade é que em nosso circo romano cotidiano, os leões e as vítimas vestem hábitos variados. A platéia, estupefata, nem percebe que a qualquer hora pode acabar ali, na arena, carregando a sua própria intolerância – ou a dos outros. Eu, que sempre fui adepto da opinião de que “religião não se discute” já não agüento mais ficar calado a respeito – só espero não ter que voltar ao assunto por aqui.
(Direitos reservados ao autor. Publicado pela primeira vez em 20/05/2005 no blog do autor)
No circo romano de hoje, leões e
vítimas vestem os hábitos mais variados
Depois da palavra arma, talvez nenhuma outra esteja tão relacionada a mortes, guerras e violência contra minorias do que a palavra religião. O fato de alguém não professar a sua fé, subliminarmente, dá a você o direito de o perseguir até as últimas conseqüências – pelo menos é assim que a coisa funciona na prática, mesmo que a teoria seja diferente. Desde coisas pequenas, como o “atendimento cristão” (que tecnicamente diz “Ímpios, go home!”) a genocídios, tudo se justifica nas letras dos livros sagrados.
Mas, usando uma palavra tão presente no vocabulário religioso, a culpa é de quem? Deus, certamente, nada tem a ver com isso, chame-se ele Jeová, Alá ou qualquer coisa. A violência e o preconceito, a inveja e a intolerância são coisas puramente humanas. O problema reside exatamente aí: as religiões também são uma coisa absolutamente humana. Seus profetas e líderes, por mais iluminados que fossem, nada mais eram que homens – e só por esta frase eu poderia ser perseguido por uma dezena de credos.
Os grandes massacres religiosos estão aí, nas páginas da História e nos jornais, para não me deixar mentir. Os cristãos no Coliseu, os judeus pela inquisição católica e pelos nazistas, os muçulmanos pelos cruzados e vice-versa, os protestantes pelos católicos na “noite de São Bartolomeu”, os católicos pelos protestantes na Irlanda, os judeus e muçulmanos em guerra na palestina – enfim, uma lista que ocuparia páginas, não apenas parágrafos, de crueldades em nome de Deus. E esses são apenas os grandes crimes, aquilo que de tão vergonhoso salta aos olhos. Mas e os pequenos crimes e violências do dia-a-dia?
Certas pessoas afirmam que este fenômeno – o uso da religião como justificativa da violência – acontece porque certos credos são naturalmente violentos. Seria o caso do Islamismo, defendem essas pessoas. Nada mais estúpido – até mesmo as religiões mais pacifistas e cordatas perpetuam violências de alguma forma. O cristianismo, cujo profeta se entregou à execução sem pegar em uma arma para se defender, invadiu, pilhou, dizimou populações inteiras, queimou supostos bruxos e hereges, fez ouvidos moucos para as atrocidades nazistas e muito mais. E não estou falando apenas no Catolicismo, mas também dos ditos evangélicos – que no Brasil de hoje usam a mídia e a política para oprimir quem vai contra seus interesses.
O taoísmo nipônico justificou os vôos kamikazes, o pacífico hinduísmo – que deu ao mundo um ser iluminado como Gandhi – perpetua um sistema de castas tão cruel como um campo de concentração. Perseguidos e perseguidores se confundem, como se todos só enxergassem o demônio nos outros, não em si mesmos. Terrorismo, invasões de países, segregação social, abusos do direito – tudo na esteira da intolerância religiosa.
As teologias encobrem ranços e maniqueísmos e permitem, também crimes silenciosos. Quantas pessoas de diversas religiões morrem todos os dias por obedecerem ao dogma “não usarás camisinha!”, enquanto desobedecem certas regras sobre fidelidade ou castidade? Aliás, o sexo – uma atividade humana que não pode ser ignorada ou varrida para baixo do tapete – é um assunto muito mal resolvido pelas religiões.
Até a falta de religião, imaginem, é motivo para preconceito – tantos ateus perseguidos como hereges, tantos religiosos perseguidos pelos ateus com aquela velha casca de comunistas, stalinistas, maoístas (está aí o Tibet que não me deixa mentir).
Paralelo ao problema das massas movidas por representantes de Deus na Terra há a questão básica: não tenham dúvidas de que cada pessoa vê Deus de uma maneira diferente da outra. Entre dois indivíduos de uma mesma religião, sempre haverá duas visões sutilmente diferentes de Deus – no fundo, eles estarão discordando em algum ponto.
A verdade é que em nosso circo romano cotidiano, os leões e as vítimas vestem hábitos variados. A platéia, estupefata, nem percebe que a qualquer hora pode acabar ali, na arena, carregando a sua própria intolerância – ou a dos outros. Eu, que sempre fui adepto da opinião de que “religião não se discute” já não agüento mais ficar calado a respeito – só espero não ter que voltar ao assunto por aqui.
(Direitos reservados ao autor. Publicado pela primeira vez em 20/05/2005 no blog do autor)