A DOR QUE ME VISITA
O drama dos pais de Gabriela me faz
refletir mais um pouco sobre a vida
Penso sempre na dor. Não que eu não seja uma pessoa otimista, dentro de um limite aceitável. Penso na dor porque sou uma pessoa comum – bancário, jornalista, astrólogo quando o tempo permite, pai de família (e que família, com quatro filhos em plena fase de crescimento!). Tento manter acesa a alma de artista ... Há uns vinte anos faço poesia e música. Teatro, há quase quinze.
E penso não apenas na minha dor – particular e intransferível. Consigo pensar na dor alheia, endêmica, que irrompe aos nossos olhos, mesmo aos menos atentos. Talvez isso me faça uma pessoa menos egoísta, não tão imerso nos meus próprios problemas. Esse pensamento me visita em horas inesperadas, e traz com ele parte da dor alheia. É quando acordo para o que muitas vezes não parece óbvio.
Noutro dia, ouvindo rádio, um final de notícia me chamou a atenção. Os pais de uma jovem morta durante um assalto no metrô do Rio estão coletando assinaturas, pela internet, para um projeto de lei que visa mudar o precário – e ineficiente – Código Penal Brasileiro. Gabriela Prado Maia Ribeiro era o nome da jovem – 14 anos, estudante, uma existência interrompida no começo do vôo ... Pensei na dor.
Imediatamente me veio à cabeça aquela mesma foto estampada em todos os jornais no final de março de 2003 – uma menina, de olhos brilhantes, dando vida a um pássaro com um gesto. Desejo infinito de paz. Nessas horas, não me concentro apenas na agonia de quem vai, mas na dor de quem fica, e não pude deixar de admirar a forma que os pais de Gabriela encontraram para reagir – lutando para que a impunidade não permita que, diariamente, outros tantos inocentes entrem na contagem fria dos números da violência urbana.
Por alguns instantes, aquela dor me visitou e me fez abandonar a mesquinharia das coisas de sempre. Não me vejo com essa coragem para lutar e não sei como eu reagiria à perda de um dos meus filhos. Eduardo, com seus quase 18 anos, sempre resmungando e pendurado no computador. Vivemos alfinetando um ao outro, um amor estranho ... Como eu viveria sem ele? Amanda, 15 anos, cheia de beijos e chamegos, com aquela preguiça que só quem já foi adolescente compreende. Débora, que poderia se chamar Emília, com sua cabeça cheia de caraminholas e idéias nem sempre aprovadas pela coletividade. Fellipe, um teimoso leão de seis anos, com uma vontade inabalável – nunca é demovido por nada, nem por mim.
Como seria vazia a minha vida sem eles!
Pensar na dor é sempre assim – você acaba enxergando o valor do que tem e compreendendo o outro, em seus momentos mais difíceis. Quantas vezes me peguei pensando em como eu e Virgínia, minha parceira nesses anos, sobreviveríamos à perda de um dos nossos filhos ... Já aconteceu uma vez, em circunstâncias tão diferentes, que não podem servir de medida. Mesmo assim, é uma dor que não esqueço.
O que me espanta é que num país como o nosso, em que a violência mostra a cara todo o tempo, onde uns 15 milhões de pessoas acessam a internet regularmente, cerca de 600 mil (apenas) já tenha assinado a lista – metade do que é necessário para uma emenda popular. Será que as outras não sabem, ou simplesmente não se importam? Prefiro acreditar na primeira hipótese, e pensei em pedir aos amigos que visitem o site de Gabriela (www.gabrielasoudapaz.org) para conhecer melhor as propostas e, certamente, assinarem a lista.
É claro que eu não penso apenas na dor – geralmente, penso nas belas coisas da vida, até mesmo aquelas difíceis de conseguir, como a Paz. Todas essas coisas nos fazem aprender, crescer, deixar alguma semente que floresça ... E afinal, para que mais é que a gente passa por aqui?
(Direitos reservados ao autor. Publicado pela primeira vez em 04/03/2005)
Em tempo: os pais de Gabriela conseguiram as assinaturas necessárias e já apresentaram as propostas no Congresso. Para conhecer um pouco mais dessa luta e de outras contra a violência e a impunidade, visite o site: www.gabrielasoudapaz.org.
O drama dos pais de Gabriela me faz
refletir mais um pouco sobre a vida
Penso sempre na dor. Não que eu não seja uma pessoa otimista, dentro de um limite aceitável. Penso na dor porque sou uma pessoa comum – bancário, jornalista, astrólogo quando o tempo permite, pai de família (e que família, com quatro filhos em plena fase de crescimento!). Tento manter acesa a alma de artista ... Há uns vinte anos faço poesia e música. Teatro, há quase quinze.
E penso não apenas na minha dor – particular e intransferível. Consigo pensar na dor alheia, endêmica, que irrompe aos nossos olhos, mesmo aos menos atentos. Talvez isso me faça uma pessoa menos egoísta, não tão imerso nos meus próprios problemas. Esse pensamento me visita em horas inesperadas, e traz com ele parte da dor alheia. É quando acordo para o que muitas vezes não parece óbvio.
Noutro dia, ouvindo rádio, um final de notícia me chamou a atenção. Os pais de uma jovem morta durante um assalto no metrô do Rio estão coletando assinaturas, pela internet, para um projeto de lei que visa mudar o precário – e ineficiente – Código Penal Brasileiro. Gabriela Prado Maia Ribeiro era o nome da jovem – 14 anos, estudante, uma existência interrompida no começo do vôo ... Pensei na dor.
Imediatamente me veio à cabeça aquela mesma foto estampada em todos os jornais no final de março de 2003 – uma menina, de olhos brilhantes, dando vida a um pássaro com um gesto. Desejo infinito de paz. Nessas horas, não me concentro apenas na agonia de quem vai, mas na dor de quem fica, e não pude deixar de admirar a forma que os pais de Gabriela encontraram para reagir – lutando para que a impunidade não permita que, diariamente, outros tantos inocentes entrem na contagem fria dos números da violência urbana.
Por alguns instantes, aquela dor me visitou e me fez abandonar a mesquinharia das coisas de sempre. Não me vejo com essa coragem para lutar e não sei como eu reagiria à perda de um dos meus filhos. Eduardo, com seus quase 18 anos, sempre resmungando e pendurado no computador. Vivemos alfinetando um ao outro, um amor estranho ... Como eu viveria sem ele? Amanda, 15 anos, cheia de beijos e chamegos, com aquela preguiça que só quem já foi adolescente compreende. Débora, que poderia se chamar Emília, com sua cabeça cheia de caraminholas e idéias nem sempre aprovadas pela coletividade. Fellipe, um teimoso leão de seis anos, com uma vontade inabalável – nunca é demovido por nada, nem por mim.
Como seria vazia a minha vida sem eles!
Pensar na dor é sempre assim – você acaba enxergando o valor do que tem e compreendendo o outro, em seus momentos mais difíceis. Quantas vezes me peguei pensando em como eu e Virgínia, minha parceira nesses anos, sobreviveríamos à perda de um dos nossos filhos ... Já aconteceu uma vez, em circunstâncias tão diferentes, que não podem servir de medida. Mesmo assim, é uma dor que não esqueço.
O que me espanta é que num país como o nosso, em que a violência mostra a cara todo o tempo, onde uns 15 milhões de pessoas acessam a internet regularmente, cerca de 600 mil (apenas) já tenha assinado a lista – metade do que é necessário para uma emenda popular. Será que as outras não sabem, ou simplesmente não se importam? Prefiro acreditar na primeira hipótese, e pensei em pedir aos amigos que visitem o site de Gabriela (www.gabrielasoudapaz.org) para conhecer melhor as propostas e, certamente, assinarem a lista.
É claro que eu não penso apenas na dor – geralmente, penso nas belas coisas da vida, até mesmo aquelas difíceis de conseguir, como a Paz. Todas essas coisas nos fazem aprender, crescer, deixar alguma semente que floresça ... E afinal, para que mais é que a gente passa por aqui?
(Direitos reservados ao autor. Publicado pela primeira vez em 04/03/2005)
Em tempo: os pais de Gabriela conseguiram as assinaturas necessárias e já apresentaram as propostas no Congresso. Para conhecer um pouco mais dessa luta e de outras contra a violência e a impunidade, visite o site: www.gabrielasoudapaz.org.