DIA DOS PAIS

Prof. Antônio de Oliveira

aoliveira@caed.inf.br

Bia, minha neta, então com três aninhos, num show de brincadeirinha, pedia insistentemente, entre implorando e ordenando: – É a sua vez. Canta vovô!

Como diria o cantor Roberto Carlos, muitas emoções!... Muito bater de coração, digo eu, hoje, Dia dos Pais, valendo-me da palavra escrita, dissonante mas afogueada. “Que no peito dos desafinados também bate um coração”, canta Gal Costa, afinada clarineta, na esteira de Tom Jobim. Os pais, mesmo os desafinados de voz, também tem um coração cuja musicalidade, quando se tem amor, não esquece o principal, que no fundo do peito, no fundo d’alma, bate calado, silencioso, no ritmo de uma pausa musical.

Posso me achar, e sê-lo de fato, um desafinado, desclassificado pelo comportamento antimusical, possuindo apenas (e é muito) o que Deus me deu, por exemplo, os filhos, fotografados na antiga rolley-flex, acrisolados no coração, lembrados e recapitulados em fotos falantes. No Dia dos Pais, os filhos, então, estimulados pela mãe, exageram no diapasão da sensibilidade.

E celebramos coisas da vida, recortes, e cortes, da memória e de memória.

Mais que um dom ou uma instituição estática, família é acontecimento,

acontecência, acontecendo. De geração em geração: pai, mãe e filhos, netos...

Até hoje não sei o que é bossa nova. Só sei que é um estado de espírito. Avançado e devassado. Como é ser pai. Que sei que é imensidão, espaço imenso, como assim o compreendeu o poeta Dante Milano: "Fiquei de frente para a imensidade, / Vendo o que o olhar não chega a compreender". Ou: regato, fonte, um pedaço de pão ao longo do caminho que “se hace al andar”; é pau, é cajado; é pedra, é seixo; é chuva, é sombra, é luar. É o Sol...

Do sábio Guimarães Rosa: “Sabença é cuidar do que foi e será, perene como lembrança de estrada de ferro”. Caminho de ferro que se retempera em saudades, se recupera, se metamorfoseia em cada estação onde o suspiro dos trilhos se funde no cadinho de abraços molhados de quem fica e de quem vai.

Filho mais vai do que vem. Mas sempre – coração nas mãos – fica no coração.

Em cada estação, dilatados pelo calor, os trilhos, envoltos em golfadas de vapor, metamorfoseiam-se também em fitas magnéticas de trilhas sonoras, fundo musical para o desenrolar de mais uma cena protagonizada, ao eflúvio ardente do calor humano, em abraços, promessas e juras do coração.

Sem dúvida, com o correr do tempo (e como corre o danado!), o andamento da trilha musical se faz mais “lentement”, até silenciar na curva da estrada. É devagar, é devagar, devagarzinho... Afinal, quando se é avô, pai duas vezes, duas vezes já se fez música do começo ao fim. No entanto, o pedido de minha netinha continua insistente, nos ouvidos do pai de seu pai, imperativamente:

– Canta, vovô Antônio!...

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 07/08/2010
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