TALENTOS HEREDITÁRIOS
A convivência de pais e filhos
com suas afinidades e diferenças
É engraçado como as diferenças e semelhanças entre pais e filhos são geralmente gritantes e como, na maioria das vezes, as duas partes insistem em negá-las. O famoso conflito de gerações reside, quase sempre, na negativa dos pais em aceitar nos filhos o seu comportamento reencarnado. Já os filhos tentam romper com o que acreditam ser o “modelo” paterno, mas que é hereditariedade, ou simples convivência.
Claro que isto é uma generalização repleta de exceções, mas pode ser a explicação mais plausível para grande parte das sessões de psicanálise e terapias familiares que se vê por aí. Muitos complicam o que é simples, buscando teorizações nada práticas.
Vejo parte deste problema na relação nem sempre fácil com meus quatro filhos e, com o tempo, fui aprendendo a reconhecer neles parte do meu espírito. Sempre que isto acontece, acende-se uma luz de alerta e tento não brigar comigo mesmo na pessoa de um dos meus filhos. O problema é que se isso fosse fácil, viveríamos em um mundo ideal, não neste que existe.
Uma agravante são os talentos, quando semelhantes ou diferentes entre pais e filhos. Há o caso clássico do pai que obriga o filho a seguir sua profissão, sem se importar com a vontade ou aptidão. Com os anos, isto foi se tornando menos comum, mas é ainda um foco de conflito. Não está escrito na certidão de nascimento de ninguém o que ela será na vida – portanto, os pais não têm o direito de cobrar qualquer compromisso.
Por outro lado, há o caso do talento, digamos, “herdado” – talvez fosse melhor dizer “afim”. A relação competitiva entre dois seres humanos pode chegar às raias do absurdo quando entre pais e filhos. O medo de ser superado, como se fosse um mestre ultrapassado pelo discípulo, pode levar um pai, inconscientemente, a sabotar as iniciativas do filho e transformá-lo em um bonsai de si mesmo – uma árvore bonita, mas minúscula, que nunca chegará ao seu tamanho natural.
Na outra ponta da questão do talento hereditário está o filho de alguém muito famoso ou competente em sua área, que sempre sairá perdendo em qualquer comparação honesta. Fica o dilema de se dedicar àquela atividade sob a pressão constante de ser “filho de fulano”, ou simplesmente desistir. O filho de John Lennon, o filho de Pelé – qual será o peso de um título como esse sobre os ombros de alguém?
É aí que surge outra pergunta: essa relação pode ser sadia? É claro que sim – basta a compreensão mútua de que cada um tem seu próprio caminho, mesmo que semelhantes. Sean Lennon é músico e compositor como o pai, mas não leva a uma referência óbvia da obra de John Lennon como fez, anos antes, o irmão mais velho Julian. Fernanda Torres é uma grande atriz, mas de foco absolutamente distinto de sua mãe, Fernanda Montenegro.
Um dos baratos da vida, que só aprendi depois de adulto, é reconhecer os talentos e gostos que herdei dos meus pais – e brincar com eles. A habilidade na cozinha, que veio de minha mãe, e a inusitada facilidade com a matemática, que nunca quis desenvolver mas já me ajudou muito, herdada do meu pai. Meus filhos um dia verão em si mesmos algo de mim que hoje já posso distinguir neles.
De minha parte, tento conscientemente não ser o responsável pela frustração do sonho e vocação de meus filhos – nem pela afinidade, nem pela diferença. Não é tarefa das mais fáceis, porque os pais têm uma tendência natural para se intrometer na vida dos filhos, mas eu me esforço. Só o tempo dirá se tive sucesso.
(Direitos reservados ao autor. Publicado pela primeira vez em 13/04/2005 no blog do autor)
A convivência de pais e filhos
com suas afinidades e diferenças
É engraçado como as diferenças e semelhanças entre pais e filhos são geralmente gritantes e como, na maioria das vezes, as duas partes insistem em negá-las. O famoso conflito de gerações reside, quase sempre, na negativa dos pais em aceitar nos filhos o seu comportamento reencarnado. Já os filhos tentam romper com o que acreditam ser o “modelo” paterno, mas que é hereditariedade, ou simples convivência.
Claro que isto é uma generalização repleta de exceções, mas pode ser a explicação mais plausível para grande parte das sessões de psicanálise e terapias familiares que se vê por aí. Muitos complicam o que é simples, buscando teorizações nada práticas.
Vejo parte deste problema na relação nem sempre fácil com meus quatro filhos e, com o tempo, fui aprendendo a reconhecer neles parte do meu espírito. Sempre que isto acontece, acende-se uma luz de alerta e tento não brigar comigo mesmo na pessoa de um dos meus filhos. O problema é que se isso fosse fácil, viveríamos em um mundo ideal, não neste que existe.
Uma agravante são os talentos, quando semelhantes ou diferentes entre pais e filhos. Há o caso clássico do pai que obriga o filho a seguir sua profissão, sem se importar com a vontade ou aptidão. Com os anos, isto foi se tornando menos comum, mas é ainda um foco de conflito. Não está escrito na certidão de nascimento de ninguém o que ela será na vida – portanto, os pais não têm o direito de cobrar qualquer compromisso.
Por outro lado, há o caso do talento, digamos, “herdado” – talvez fosse melhor dizer “afim”. A relação competitiva entre dois seres humanos pode chegar às raias do absurdo quando entre pais e filhos. O medo de ser superado, como se fosse um mestre ultrapassado pelo discípulo, pode levar um pai, inconscientemente, a sabotar as iniciativas do filho e transformá-lo em um bonsai de si mesmo – uma árvore bonita, mas minúscula, que nunca chegará ao seu tamanho natural.
Na outra ponta da questão do talento hereditário está o filho de alguém muito famoso ou competente em sua área, que sempre sairá perdendo em qualquer comparação honesta. Fica o dilema de se dedicar àquela atividade sob a pressão constante de ser “filho de fulano”, ou simplesmente desistir. O filho de John Lennon, o filho de Pelé – qual será o peso de um título como esse sobre os ombros de alguém?
É aí que surge outra pergunta: essa relação pode ser sadia? É claro que sim – basta a compreensão mútua de que cada um tem seu próprio caminho, mesmo que semelhantes. Sean Lennon é músico e compositor como o pai, mas não leva a uma referência óbvia da obra de John Lennon como fez, anos antes, o irmão mais velho Julian. Fernanda Torres é uma grande atriz, mas de foco absolutamente distinto de sua mãe, Fernanda Montenegro.
Um dos baratos da vida, que só aprendi depois de adulto, é reconhecer os talentos e gostos que herdei dos meus pais – e brincar com eles. A habilidade na cozinha, que veio de minha mãe, e a inusitada facilidade com a matemática, que nunca quis desenvolver mas já me ajudou muito, herdada do meu pai. Meus filhos um dia verão em si mesmos algo de mim que hoje já posso distinguir neles.
De minha parte, tento conscientemente não ser o responsável pela frustração do sonho e vocação de meus filhos – nem pela afinidade, nem pela diferença. Não é tarefa das mais fáceis, porque os pais têm uma tendência natural para se intrometer na vida dos filhos, mas eu me esforço. Só o tempo dirá se tive sucesso.
(Direitos reservados ao autor. Publicado pela primeira vez em 13/04/2005 no blog do autor)