DESENCONTRO MARCADO
Eu quase não a reconheci. Ainda era bonita e sem dúvida, muito elegante.
Quanto à elegância, eu só estava reparando naquela hora. Quando eu me lembrava dela, só conseguia formar a imagem de uma jovem de uns dezessete anos mais ou menos, bonita que só, alegre e um tanto assanhada, fazia o maior sucesso nos bailes da época, no tempo em que os rapazes dançavam com as moças bem agarradinhos, fazendo charme, rostinhos colados, enquanto soltavam no ouvido das incautas, a famosa baba de quiabo. Não necessariamente nessa ordem. E nem todos os rapazes tinham o dom. Mas é bom esclarecer, que naquele tempo, bons tempos, uma boa conversa era um quesito importante na arte da conquista. Não era bem o meu caso... Pra desenrolar um assunto, até que eu não era dos piores. Mas de uma timidez de entrar em pânico... O que me salvava, era a minha habilidade de escrever uns versinhos melosos, e compor canções. Que me valeu a fama de compositor e poeta romântico, entre as meninas, e de viado, entre a canalha despeitada. Nunca me importei com isso.
Lúcia Helena era mesmo muito bonita... Foi ela quem me reconheceu primeiro. –Oi! Tá lembrado de mim? Não dava pra esquecer... Aquele sorriso, e os olhos verdes que variavam de cor para o azul, conforme o tempo. Estavam azuis naquela hora.
-Nunca esqueci de você, continua bonita, ou mais, como sempre. Cheguei a me assustar com o meu atrevimento.
-E você, gentil como sempre. E pelo visto, ainda escreve poesias. Caso contrário, não estaria em um lançamento de livro. Não é verdade?
-É... Mais ou menos. O escritor é um amigo meu, ou melhor, nosso amigo, já que você também está aqui.
-Vez em quando eu escrevo umas coisinhas, só pra manter os neurônios ocupados. Falei com modéstia, reflexo da minha maldita timidez. Ela riu me olhando bem nos olhos.
-Estou sabendo dessas coisinhas... O Carlos Augusto me enviou um texto da sua autoria, que ele encontrou num Site literário. Adorei...
Acho que fiz uma cara de encabulado, enquanto procurava desesperadamente alguma coisa pra dizer, e que não fosse muito lugar comum. Por sorte, Lúcia Helena emendava um assunto atrás do outro, e eu fazia o papel de um bom ouvinte.
- Não sei se já lhe contaram. Mas o tempo foi generoso contigo, você está danado de boa pinta...
Pensei em retribuir o elogio, mas iria parecer rasgação de seda.
-Mas por que agora? Depois de tantos anos... Eu era louco por ela. Eu e toda a rapaziada da rua, quiçá, do bairro inteiro, Todos eles mais bonitos e atirados que eu. Eu não tinha a menor chance. Sem grandes atrativos e de uma timidez patológica. Difícil de acreditar, que ela ainda fosse lembrar-se de mim, em meio a tantos outros.
Lúcia Helena esbanjava charme, falava com um e com outro, e assim, fomos descobrindo que tínhamos alguns amigos em comum.
- Lembra do Carlos Eduardo? Eu lembrava, mas gostaria de esquecer. Casou-se com ela assim que os dois terminaram a faculdade. Ele formou-se em direito, ela fazia literatura. Nunca entendi aquele casamento. Carlos Eduardo era um chato, pedante e de uma antipatia, que segundo as boas e más línguas, nem a própria mãe aguentava.
-Mas está claro que eu lembro... Como vai ele?
Pois é... A gente se separou. Depois do divórcio, ele sumiu pra Brasília, pra ser assessor lá de um político, e o tal político está na bica de perder o mandato. Você entende uma coisa dessa?
Na verdade eu entendia. Para ter um assessor daquela qualidade, não poderia ser nenhum paladino da moral e da ética.
O evento já estava chegando ao fim, cumprimentos daqui, despedidas dali, trocas de telefones e e-mails...
Fui me despedindo também. Primeiro dos conhecidos, depois fui falar com ela. Estava meio sem graça sem saber o que iria dizer, depois de tanto tempo. Poderia confessar que eu fui apaixonado por ela... Melhor não. Naquela altura da vida, ficaria até ridículo....
-Então... Até a próxima Lúcia... Foi muito bom te encontrar de novo...
-Até a próxima. Agora vê se não foge de mim, como no tempo em que eu era apaixonada por você.
Beijou-me no rosto, e ficamos rindo, um para o outro. Tive vontade de chorar...
Fim