POLIVALENTE QUE NÃO VALE NADA
Quando eu descobri que nunca
seria um “grande alguma coisa”
Eu achava que todo mundo era como eu: tinha múltiplos interesses. Pensava, realmente, que qualquer pessoa tinha múltiplas habilidades e, por isso, eu vivia feliz. Era apenas mais um, igual a todo mundo. No entanto, ao longo dos anos, fui percebendo que não é bem assim que a banda toca.
Pare e reflita: quantas pessoas você conhece, ou já ouviu falar, que são muito boas em várias coisas (não vale citar Leonardo Da Vinci)? Tudo bem, tem o Jô Soares, que é um monte de coisas, mas em todas elas é sempre um excelente humorista ... Cite outro assim, de estalo, sem pensar muito! Pois é, quase todo mundo que faz sucesso em alguma área só é bom naquela área específica. É absolutamente focado. Quando muito, deixa espaço para um hobby, nem que seja a família.
Pelé foi o maior jogador de futebol do mundo – só isso! Tentou ser cantor, foi um desastre. Quando abre a boca para falar, então, é um Deus nos acuda. Fernando Pessoa dividiu seu único (e maravilhoso) talento, escrever, entre vários poetas. Tinha lá o hobby da astrologia, mas só isso. É sempre assim: o cara é bom demais numa área, a ponto de ignorar o resto. Veja Garrincha, um gênio da bola, que foi um fracasso na vida pessoal. O que passa para a História é o seu talento, não as suas várias habilidades ou interesses. O polivalente não vale nada.
É uma constatação cruel, mas me trouxe de volta à realidade. Por acaso existe um Nobel para a polivalência? Um Oscar? Um Grammy? Não, o que se destaca é o talento específico, individualizado. “Seja bom em alguma coisa na vida”, dizia minha mãe. Sábio conselho. Às vezes a gente perde tanto tempo e energia tentando ser bom em várias coisas, que acaba sendo ruim em todas. Quantas bandas de um homem só você conhece? Existem, é claro, as atividades correlatas, mas a pessoa precisa ser muito boa em uma delas para se destacar na multidão.
Por exemplo, Fred Astaire, como ator, era um excelente dançarino. Madonna, como atriz, é uma cantora sexy, e vai por aí. Bush é só o presidente dos Estados Unidos ... bota o cara para ser bancário no meu lugar e você verá o desastre! E não vale citar o Ronald Reagan e o Arnold Schwarzenegger, que eram canastrões no cinema e acabaram na política: todo político é, antes de tudo, um canastrão. O Lula faria um ótimo jagunço na ficção.
Às vezes falo com meus filhos, em tom de brincadeira: “papai é quase um artista – tem uma porção de meios-talentos”. Lembro do meu dilema, às vésperas do Vestibular, e lá se vão quase vinte anos: jornalismo, publicidade, letras ou história? Nunca estive muito certo do que fazer na vida. Optei pelo jornalismo por dois motivos: achava meu “talento” mais sólido o de escrever (isso ainda acredito) e tinha a ilusão de que saltaria facilmente das páginas dos jornais para os livros. Isso, só quando o cara é mago feito o Paulo Coelho.
Quinze anos depois, às voltas com a dura vida (em todos os sentidos) de jornalista no interior, percebi que estava engavetando meus sonhos, meus “meios-talentos”, minha alegria. Ganhava mal, não tinha tempo nem disposição para a arte. Deixei o teatro de lado, não fui em frente com projetos musicais, nem mesmo publiquei um livreto mimeografado.
Foi nessa hora que arrisquei a mudança: fiz, e bem, um concurso, entrei para um banco e descobri outro “meio-talento”. Dei adeus, sem saudades, à antiga profissão e decidi que a nova me daria tempo e estabilidade para conviver com a ingrata polivalência – sem exigir resultados, porque fama é outra história. Reservo tempo para escrever, tocar, aprender outros instrumentos, até mesmo para o teatro. Faço novos amigos, converso com astrólogos pela internet, tenho uma vida que me agrada, fora do dia-a-dia naturalmente agitado e estressante.
Sei, há muito tempo, que não vou me tornar um “grande alguma coisa”, mas estou me dando a chance de ser um “pequeno várias coisas” ... É uma segunda chance, que só o amadurecimento permite. E não tenho a menor pressa: lidar com o tempo é outro dos meus “meios-talentos”.
(Direitos reservados ao autor - Primeira publicação em 04/05/2005 no blog do autor)
Quando eu descobri que nunca
seria um “grande alguma coisa”
Eu achava que todo mundo era como eu: tinha múltiplos interesses. Pensava, realmente, que qualquer pessoa tinha múltiplas habilidades e, por isso, eu vivia feliz. Era apenas mais um, igual a todo mundo. No entanto, ao longo dos anos, fui percebendo que não é bem assim que a banda toca.
Pare e reflita: quantas pessoas você conhece, ou já ouviu falar, que são muito boas em várias coisas (não vale citar Leonardo Da Vinci)? Tudo bem, tem o Jô Soares, que é um monte de coisas, mas em todas elas é sempre um excelente humorista ... Cite outro assim, de estalo, sem pensar muito! Pois é, quase todo mundo que faz sucesso em alguma área só é bom naquela área específica. É absolutamente focado. Quando muito, deixa espaço para um hobby, nem que seja a família.
Pelé foi o maior jogador de futebol do mundo – só isso! Tentou ser cantor, foi um desastre. Quando abre a boca para falar, então, é um Deus nos acuda. Fernando Pessoa dividiu seu único (e maravilhoso) talento, escrever, entre vários poetas. Tinha lá o hobby da astrologia, mas só isso. É sempre assim: o cara é bom demais numa área, a ponto de ignorar o resto. Veja Garrincha, um gênio da bola, que foi um fracasso na vida pessoal. O que passa para a História é o seu talento, não as suas várias habilidades ou interesses. O polivalente não vale nada.
É uma constatação cruel, mas me trouxe de volta à realidade. Por acaso existe um Nobel para a polivalência? Um Oscar? Um Grammy? Não, o que se destaca é o talento específico, individualizado. “Seja bom em alguma coisa na vida”, dizia minha mãe. Sábio conselho. Às vezes a gente perde tanto tempo e energia tentando ser bom em várias coisas, que acaba sendo ruim em todas. Quantas bandas de um homem só você conhece? Existem, é claro, as atividades correlatas, mas a pessoa precisa ser muito boa em uma delas para se destacar na multidão.
Por exemplo, Fred Astaire, como ator, era um excelente dançarino. Madonna, como atriz, é uma cantora sexy, e vai por aí. Bush é só o presidente dos Estados Unidos ... bota o cara para ser bancário no meu lugar e você verá o desastre! E não vale citar o Ronald Reagan e o Arnold Schwarzenegger, que eram canastrões no cinema e acabaram na política: todo político é, antes de tudo, um canastrão. O Lula faria um ótimo jagunço na ficção.
Às vezes falo com meus filhos, em tom de brincadeira: “papai é quase um artista – tem uma porção de meios-talentos”. Lembro do meu dilema, às vésperas do Vestibular, e lá se vão quase vinte anos: jornalismo, publicidade, letras ou história? Nunca estive muito certo do que fazer na vida. Optei pelo jornalismo por dois motivos: achava meu “talento” mais sólido o de escrever (isso ainda acredito) e tinha a ilusão de que saltaria facilmente das páginas dos jornais para os livros. Isso, só quando o cara é mago feito o Paulo Coelho.
Quinze anos depois, às voltas com a dura vida (em todos os sentidos) de jornalista no interior, percebi que estava engavetando meus sonhos, meus “meios-talentos”, minha alegria. Ganhava mal, não tinha tempo nem disposição para a arte. Deixei o teatro de lado, não fui em frente com projetos musicais, nem mesmo publiquei um livreto mimeografado.
Foi nessa hora que arrisquei a mudança: fiz, e bem, um concurso, entrei para um banco e descobri outro “meio-talento”. Dei adeus, sem saudades, à antiga profissão e decidi que a nova me daria tempo e estabilidade para conviver com a ingrata polivalência – sem exigir resultados, porque fama é outra história. Reservo tempo para escrever, tocar, aprender outros instrumentos, até mesmo para o teatro. Faço novos amigos, converso com astrólogos pela internet, tenho uma vida que me agrada, fora do dia-a-dia naturalmente agitado e estressante.
Sei, há muito tempo, que não vou me tornar um “grande alguma coisa”, mas estou me dando a chance de ser um “pequeno várias coisas” ... É uma segunda chance, que só o amadurecimento permite. E não tenho a menor pressa: lidar com o tempo é outro dos meus “meios-talentos”.
(Direitos reservados ao autor - Primeira publicação em 04/05/2005 no blog do autor)