O menino que pulava dentro do redemoinho

Quando era criança, minha avó e pessoas mais velhas diziam que dentro dos redemoinhos havia um diabinho, que ficavam girando e era a forma deles passearem por ai sem serem vistos. Eu, menino bom e curioso que era, ficava sempre olhando os redemoinhos passar e passar, sim, onde morava, haviam muitos destes diabinhos, será que queriam fazer amizade? Bom, o fato que um dia não agüentei e pulei dentro de um, claro, um pequeno, pois queria fazer amizade com um diabinho do meu tamanho. Foi que vi que ali não tinha nada, só uma porção de vento girando, poeira e algumas folhas, que decepção.

Cresci, e claro, por outras vezes inúmeras, pulei dentro de vários redemoinhos para tentar achar um diabinho amigo, e nunca com sucesso. Tornei-me um homem com a personalidade, caráter e gênio daquele menino que pulava em redemoinhos, coisa de doido a primeira vista, mas acreditem, tinha até certo prestigio por isso, comigo mesmo inclusive, pois hora, corajoso demais fazer o que ninguém jamais faria. E assim me tornei uma pessoa sem medos, sem limites, sem fortes convicções que não fossem a plena certeza de minha curiosidade pelo mundo e seus mistérios, pessoas e certificação que sempre que chegávamos lá, a descoberta era vento, pó e algumas folhas.

Meus sentimentos amadureceram bem fora do modelo social e convencional, não morria de amores pela família nem tinha um vinculo que me deixasse preso a algo, gostava e amava, mas não a ponto de sacrificar demasiadamente algo por este motivo. Enxerguei tudo de forma tão clara e límpida que não via mais encanto em primeiras vistas. De tanto pular em redemoinhos, e sempre descobrir pó, vento e folhinhas, aprendi a buscar então folhinhas diferentes, cores, tipos, de arvores, arbustos, capins de demasiadas qualidades, até que também me cansei, e foi então que descobri como se ouvir o vento que ali também tinha e percebi que muito tinha a dizer, a ainda hoje não me canso de escutar o que ele diz e acreditem, nunca é algo igual ou repetido.

Outros homens hoje dizem que sou apático a tudo, ou que sou distante e não tenho tantos sentimentos assim, serio demais, que manipulo outras pessoas ou que desenvolvi o dom de saber o ponto fraco e forte dos seres para usufruir disso. Não acho que é verdade, pois como disse era só um menino que pulava em meio a redemoinhos buscando um amigo diabinho, e aprendi a ser valente assim, ter coragem, iniciativa e ser um humano que não teme outros humanos, tentei e tento diariamente ver além das possibilidades e o motivo real de tudo que se é feito e dito, fora convenções ou praticidades sociais. Para mim isso é extremamente comum, mas de fato, a maioria das pessoas não pensam assim, se é que pensam, claro. Desenvolvem suas qualidades e defeitos, maturidade e compreensão de universo sem perceber o vento, o pó e as folhas, pobres almas.

Pois bem, me tornei assim, de um menino que buscava redemoinhos e neles pulava, um homem sem medos, distante dos sentimentos comuns e intenso por sua natureza curiosa e desprendida dos valores e sensos sociais, crente na força superior da criação, porém descrente no homem e suas habilidades tolas em achar que sempre se pode mais ou se é mais, e sempre se esquecer de que somos uma ínfima energia solta no universo em busca de constantes e eternas melhorias, vestidas com coisas e objetos que damos tanto valor, nos esquecendo de todo fluxo de uma curta e breve existência, sem sentido algum se não observada de forma coerente com nossa capacidade de pensar e existir de fato. Sim, deste menino que pulava em redemoinhos, me tornei um homem que busca tornados.