VAUDEVILLE

É comum trabalhar 40, 50, 60 anos, notadamente em atividades autônomas. Nesses casos, nem há grandes razões para um ponto final. O peculiar é quando a gente trabalha anos a fio num determinado grupo econômico, navegando o mar bravio da chamada terceira idade. Numa empresa em que o habitual era trabalhar-se até os 50 e, hoje, até por volta dos 60, quando a gente passa dos 67, com apenas dois ou três parceiros de geração como testemunhas de idos tempos, vive-se um filme de ficção, uma peça surreal em que contracenam espectros, miragens e seres demasiadamente humanos. A história que se repete não é farsa, é vida real, tão rica e enfadonha como um “vaudeville”. O teatro de revista, tão ao gosto do respeitável público, é simplório e o segredo do sucesso é não querer transformá-lo em drama shakesperiano. Não há nenhum desgosto, ao contrário, as vantagens são várias, mas é uma coisa estranha. Os mistérios do tempo permitem a superposição de diferentes planos existenciais: o diálogo fica um pouco difícil, mas é divertido, eventualmente maluco. Às vezes, é preciso disfarçar para manter a graça e o ritmo: "o velho" se repete e ressurge, travestido como ideia colossal ou solução mágica. E o novo emerge seguidamente como simples decorrência do que já existia e estava consagrado, eventualmente, implícito. Nada de muito surpreendente, mas pode conferir destaque. O diabo sabe mais por velho, do que por diabo.

As pessoas são diferentes, mas em cargos e funções, parecem-se muito umas com as outras, pela roupagem que trajam e pelo papel que se obrigam a desempenhar em cena, no intuito de manter a boa tradição: o ilusionista, o “clown”, o apresentador, a mulher barbada, o amestrador de elefantes, o bailarino, o trapezista, o gaiteiro triste, o gigante e o anão. Já fui de tudo um pouco nesse circo, inclusive espectador, pagando ingresso. Os donos da companhia esbanjam projetos e discursos mirabolantes, por mais bisonhos ou geniais que sejam, e, como o aplauso da platéia é costumeiro, saem de cena com a vaidade intacta e aquele sonho de que tudo fizeram para o sucesso do espetáculo. Doce ilusão para uns poucos e desventura para muitos. Eventuais apupos apenas para o bardo que desafina no cerramento das cortinas. No outro dia, tudo de novo, já que o show não pode parar. As coristas esbeltas, de longas e belas pernas, canelas finas, pezinhos delicados e macios, fugiram de cena, evaporaram-se no balanço das horas ou se tornaram matronas que apenas costuram fantasias e remendam a lona. Às vezes, surgem novas atrações e tudo se anima, mas a miragem dura pouco: só uma fração de tempo para recobrar um tantinho de esperança, o que já é muito bom, porque o caminho a percorrer parece longo. Mas, apesar de tudo, é um mundo atraente e que nos ocupa; de minha parte, sigo tocando o realejo que recebi de herança, junto com o macaquinho e o periquito da sorte que distribui simpatia aos poucos interessados. Bom, bom mesmo, não é, mas tem sido agradável ouvir o som das moedinhas jogadas na caneca. Mas não por muito tempo, pois o chamado da vida, a contemplação e a preguiça reclamam atenção especial. Daqui, no máximo, um ano, eu vou baixar a cortina e encerrar definitivamente a temporada. "The show must go on", é verdade, mas qualquer coadjuvante pode ser substituído. Há uma vida enorme fora do circo, com muitos prazeres sem compromisso. Depois de uma certa idade e do atingimento de conquistas básicas, a gente pode dar-se ao luxo: chinelos Rider - dê férias para os seus pés.