FIGURAS DO APOCALISPSE
Encontrei Thomas Merton nos
Escombros do 11 de setembro
Confesso minha ignorância, mas até 2001 eu nunca tinha ouvido falar em Thomas Merton. Passei trinta e poucos anos da minha vida sem ser apresentado a ele: nem um texto, nem mesmo uma simples citação. Eu, que li tanta poesia – de diferentes épocas e origens – que sempre me interessei por questões filosóficas ou teológicas, que estudei 11 anos em uma escola católica, nunca provara o sabor dos seus versos, a sabedoria de suas palavras.
Thomas Merton, monge trapista – americano, nascido em 1915, que entrou para a austera ordem religiosa católica em 1941 – é considerado um dos mais importantes pensadores e religiosos do século XX. Mais que pensador, Merton era um ativista, que contestou a guerra do Vietnã, denunciou o preconceito racial e social, promoveu o ecumenismo – tentando diminuir os abismos não só entre as religiões cristãs, com também com as teologias orientais.
Foi em 17 de setembro de 2001 que ele se apresentou. Eu ainda tentava digerir o choque provocado pelas imagens da semana anterior: as torres gêmeas do World Trade Center desabando, no maior atentado terrorista da História, os milhares de mortos, o mundo atônito diante de uma superpotência absolutamente impotente. Vi, ao vivo e em cores – via satélite, pela CNN – o momento em que o segundo avião atingiu seu alvo, cortando o aço feito um queijo. Vi a queda das torres, símbolos de um mundo que dá tanto valor aos símbolos de poder.
Enquanto ruminava tudo aqui, entrei na velha livraria de sempre, o sebo que freqüento desde a adolescência, onde paguei muito barato por centenas de livros e descobertas. Queria algo que me distraísse, que me fizesse desligar a TV que permanecia no mesmo canal há uma semana, na mesma imagem, em meu cérebro. Queria pensar que aquilo não seria o início e algo muito pior ...
Bati os olhos em um livro com título promissor: “As mais belas orações de nosso tempo”. Li a apresentação de Rubem Braga e a voz do mestre bastou. Saí de lá cinco reais mais pobre, mas com um tesouro para várias vidas nas mãos. Era um tempo bom para aprender novas formas de rezar. As páginas já não eram novas – isso algo que sempre me atraiu nos livros de sebo, as vivências múltiplas contidas nas páginas antigas.
No ônibus, a caminho de casa, fui lendo as páginas saltadas, fora de ordem, até que Thomas Merton como que sentou-se ao meu lado e disse – Olá! Li, verso por verso, cada vez mais aterrado, seu poema “Figuras para um Apolcalipse (nas ruínas de Nova Iorque)”. Com o absoluto dom da profecia, o poeta descrevera mais de 30 anos antes as imagens que eu acabara de ver, como um túnel do tempo.
“A Lua está mais pálida que uma atriz e chora por ti, Nova Iorque! (...) Como caíram, como caíra estas torres de gelo e de aço, derretidas por que terror e por que milagre? Que fogos e luzes derrubaram, com a branca ira de sua acusação, estas torres de prata e aço? (...) Amanhã e depois de amanhã, nascerão ervas e flores no seio de Manhattan. E logo as ramas das nogueiras e dos sicômoros sussurrarão onde estavam estas janelas sujas (...)”
A descrição apocalíptica do fim de Nova Iorque – certamente, Merton vira um tempo ainda mais à frente que o nosso, uma destruição definitiva, quando nada restará da grande metrópole – é absolutamente chocante. Em minha viagem para casa, no ônibus sacolejante, tive que controlar a interjeição de espanto ao ler os versos desse poeta que até então não conhecia. Em outro texto, “Albada-Harlem”, vinha a única referência a ele: “Thomas Merton (1915 – 1968)”.
- Então aquele homem – que dom profético, meu Deus” – morreu no mesmo ano em que eu nasci! – pensei em voz alta.
Quando cheguei em casa, comecei minha viagem no tempo até Thomas Merton, pesquisando nas enciclopédias, na internet, obsessivamente, como sempre faço com assuntos que me interessam. Cheguei à sua autobiografia “A montanha dos sete patamares” (1948), um primor. É uma viagem que recomendo – uma viagem até uma das mentes mais brilhantes do século XX.
(Direitos reservados ao autor. Publicado a primeira vez em 12/03/2005 pelo autor em seu blog)
Encontrei Thomas Merton nos
Escombros do 11 de setembro
Confesso minha ignorância, mas até 2001 eu nunca tinha ouvido falar em Thomas Merton. Passei trinta e poucos anos da minha vida sem ser apresentado a ele: nem um texto, nem mesmo uma simples citação. Eu, que li tanta poesia – de diferentes épocas e origens – que sempre me interessei por questões filosóficas ou teológicas, que estudei 11 anos em uma escola católica, nunca provara o sabor dos seus versos, a sabedoria de suas palavras.
Thomas Merton, monge trapista – americano, nascido em 1915, que entrou para a austera ordem religiosa católica em 1941 – é considerado um dos mais importantes pensadores e religiosos do século XX. Mais que pensador, Merton era um ativista, que contestou a guerra do Vietnã, denunciou o preconceito racial e social, promoveu o ecumenismo – tentando diminuir os abismos não só entre as religiões cristãs, com também com as teologias orientais.
Foi em 17 de setembro de 2001 que ele se apresentou. Eu ainda tentava digerir o choque provocado pelas imagens da semana anterior: as torres gêmeas do World Trade Center desabando, no maior atentado terrorista da História, os milhares de mortos, o mundo atônito diante de uma superpotência absolutamente impotente. Vi, ao vivo e em cores – via satélite, pela CNN – o momento em que o segundo avião atingiu seu alvo, cortando o aço feito um queijo. Vi a queda das torres, símbolos de um mundo que dá tanto valor aos símbolos de poder.
Enquanto ruminava tudo aqui, entrei na velha livraria de sempre, o sebo que freqüento desde a adolescência, onde paguei muito barato por centenas de livros e descobertas. Queria algo que me distraísse, que me fizesse desligar a TV que permanecia no mesmo canal há uma semana, na mesma imagem, em meu cérebro. Queria pensar que aquilo não seria o início e algo muito pior ...
Bati os olhos em um livro com título promissor: “As mais belas orações de nosso tempo”. Li a apresentação de Rubem Braga e a voz do mestre bastou. Saí de lá cinco reais mais pobre, mas com um tesouro para várias vidas nas mãos. Era um tempo bom para aprender novas formas de rezar. As páginas já não eram novas – isso algo que sempre me atraiu nos livros de sebo, as vivências múltiplas contidas nas páginas antigas.
No ônibus, a caminho de casa, fui lendo as páginas saltadas, fora de ordem, até que Thomas Merton como que sentou-se ao meu lado e disse – Olá! Li, verso por verso, cada vez mais aterrado, seu poema “Figuras para um Apolcalipse (nas ruínas de Nova Iorque)”. Com o absoluto dom da profecia, o poeta descrevera mais de 30 anos antes as imagens que eu acabara de ver, como um túnel do tempo.
“A Lua está mais pálida que uma atriz e chora por ti, Nova Iorque! (...) Como caíram, como caíra estas torres de gelo e de aço, derretidas por que terror e por que milagre? Que fogos e luzes derrubaram, com a branca ira de sua acusação, estas torres de prata e aço? (...) Amanhã e depois de amanhã, nascerão ervas e flores no seio de Manhattan. E logo as ramas das nogueiras e dos sicômoros sussurrarão onde estavam estas janelas sujas (...)”
A descrição apocalíptica do fim de Nova Iorque – certamente, Merton vira um tempo ainda mais à frente que o nosso, uma destruição definitiva, quando nada restará da grande metrópole – é absolutamente chocante. Em minha viagem para casa, no ônibus sacolejante, tive que controlar a interjeição de espanto ao ler os versos desse poeta que até então não conhecia. Em outro texto, “Albada-Harlem”, vinha a única referência a ele: “Thomas Merton (1915 – 1968)”.
- Então aquele homem – que dom profético, meu Deus” – morreu no mesmo ano em que eu nasci! – pensei em voz alta.
Quando cheguei em casa, comecei minha viagem no tempo até Thomas Merton, pesquisando nas enciclopédias, na internet, obsessivamente, como sempre faço com assuntos que me interessam. Cheguei à sua autobiografia “A montanha dos sete patamares” (1948), um primor. É uma viagem que recomendo – uma viagem até uma das mentes mais brilhantes do século XX.
(Direitos reservados ao autor. Publicado a primeira vez em 12/03/2005 pelo autor em seu blog)