SOGRA É PARA SEMPRE

Não sei se todos sabem, mas a relação genro/sogra, nora/sogro, configura parentesco por afinidade em linha reta entre ascendentes e descendentes e não se dissolve, mesmo que desfeito o CASAMENTO. Portanto, sogra é para sempre. Você pode, inclusive, ter duas ou mais sogras durante a vida, mas nunca será desfeito o parentesco ou o vínculo entre genro e sogra, por exemplo. Assim é a lei, assim é a vida, o que me parece adequado. Tive sorte. Escrevi esta crônica originalmente há muitos anos, quando voltava do Hospital Beneficência Portuguesa em que fora visitar minha sogra nos seus derradeiros momentos. Nunca mais, aliás, havia estado naquela casa onde nasci e todos os meus irmãos. Tive a impressão de que tudo continuava igual. Minha sogra estava por completar 93 anos, com um belo acervo de conquistas e realizações guerreiras, desde a vida simples em Santa Maria, como professora primária, até o círculo mais refinado junto ao marido, um grande homem, médico conceituado e de tradicional família porto-alegrense.

Estas visitas hospitalares provocam inevitavelmente lembranças. No caso, várias. Durante muitos anos, foi ela que, chegando bem cedo a casa onde morávamos, preparava-me o café da manhã, com dois ovos cozidos mal passados e pão picado, seguidamente comentando a agenda doméstica, tipo esposa para a lida e para assuntos familiares. Nossos Natais guardam o sabor de seu inigualável sarrabulho. Para ajudar a filha, costumava seguir-me dentro de casa, como sombra, recolhendo peças do vestuário, copos e apetrechos fora de ordem, especialmente cinzeiros, que insistia em lavar a todo o momento, para meu desespero, que não os encontrava onde havia colocado, com cigarro recém aceso. No turbilhão de reminiscências, resgato um fato bizarro. Em certo veraneio em Xangri-lá, havia um gambá (o bicho, não o dono da casa) que resolvera acampar no pátio da casa, assustando meus filhos pequenos. Talvez estivesse ferido, talvez doente: entre misericordioso e assassino, resolvi sacrificá-lo, com um tiro de 32, cano curto. Eu sei, foi bobagem, um desatino, mas cometi. Me arrependo até hoje, mas não posso esconder este arroubo criminoso. Aí avisei “deixa o corpo esfriar, depois eu enterro”. Quando me dei conta, lá estava a sogra recolhendo o cadáver com velhos jornais para enterrá-lo num dos terrenos baldios da vizinhança. Assim era ela, com suas virtudes e defeitos, disposta sempre a botar a mão na massa, sem nada deixar pra depois. E, é importante que se diga, sem jamais perder a pose. Na verdade, uma grande dama se faz de dentro para fora. Bem mais tarde, sem efeitos jurídicos, já que resultava de união estável, fui contemplado com outra beleza de criatura humana, falecida precocemente aos 73 anos de idade. Separada, independente, esta "segunda sogra" cultivava inusitados caprichos, como aquele de, aos domingos, passear de transporte coletivo pelos bairros da Capital, inclusive os mais distantes, que até hoje não conheço. Figura ímpar. Independente, gostava de viver em seu mundo, depois de haver abrigado em seu apartamento dois filhos, nora, netos e até cachorro (Bidu), por vicissitudes da vida. Chegou a um ponto em que a sogra resolveu alugar apartamento para si nas proximidades, a fim de que os filhos e netos convivessem no seu imóvel, preservando a sua individualidade em outro espaço. Nunca havia eu testemunhado tal providência ousada, generosa e libertária. Não posso me queixar de sogras e sempre as tratei muito bem.