AUTORRETRATO
A fotografia muda a cada etapa, a cada nova ruga, a cada mania que se transforma ou intensifica. Desde 2010, vou atualizando o discurso para manter a identidade. No global, mudanças mínimas, mas acho importante repetir o texto: noite muito fria com fondue de queijo ou raclete, lareira, vinho tinto, família, amigos e os três cuscos escarrapachados ao lado. Pinhão é de lei. Dois ou três filmes ou seriados à tarde, sempre pela TV, um copázio de leite cru gelado e gordo, futebol também pela TV, cerveja ao meio-dia (e só ao meio-dia), churrasco, muito pão francês com manteiga sem sal, filé à parmigiana, bolinho de batata ou pimentão recheado, à la minuta, feijoada ou aquele suculento mocotó. Vai também um Sushi, no momento certo. Coca Zero sem limão nem gelo, suco de tomate com azeite de oliva, molho inglês e pimenta. Viagens e festas animadas - de quando em vez, sem exageros. Boa leitura, internet. Bolinhos de arroz com banana, de bacalhau ou queijo, polenta, couve-flor à milanesa e aipim. Muitos textos para escrever. Jornais, revistas, debates interessantes e, cada vez mais esporadicamente, “cuba libre”, espumante ou caipirinha para refrescar as ideias, num barzinho maneiro, com a mulher. A lei seca e aquela do antitabagismo me limitam bastante. Portanto, sair muito de casa é sacrifício.
Porto Alegre e Gramado sempre e, quando possível, e só de tempos em tempos - bem espaçadamente - Paris, Lisboa, Roma, Buenos Aires, Rio de Janeiro ou a Grande Xangri-lá para fugir do calor - mas só no verão e por alguns dias. Muito de quando em vez uma viagem mais extravagante para curtir novas emoções. Uma boa sesta de 30 minutos, mas geralmente a cadelinha Baby me deixa dormir só uns vinte minutos. Sono de pedra às três da madrugada. Alvoroço de família, filhos, netos, improviso e bobagens, gargalhadas com as histórias de sempre e que se renovam a cada encontro. Comida de Natal com sarrabulho, purê de maçã, peru, figo em conserva e lombo de porco. Eventualmente, bacalhau e frutos do mar, também uma paella. Também adoro "parrillada". Ei, não pensem bobagens, não sou comilão e todas estas coisas têm vez e quando dá, em módicas porções. Mergulho no mar - azul, verde ou marrom - pé descalço na areia, rede, boa música dos idos tempos, dança, pastel de carne com ovo e azeitona, siri na casca e peixinho frito. No máximo, uma hora ao sol. Calça de brim, sapato confortável, camisa com bolsinho, ar-condicionado. Para adoçar, sagu, arroz de leite, ambrosia ou gelatina com leite condensado. Um tango argentino, uma canção de Piaf, um rock-balada, The Platters e Beatles forever; Chico, Tom, Vinícius, João Gilberto e Caetano. Espaço também para Titãs, Legião Urbana e Skank, para não falar em Rita Lee ou nos Mutantes. Discussões sobre a Mente Humana, o Ser e o Nada, o Descalabro Econômico, Finanças, a Pessoa e o Estado, o Sexo dos Anjos, o que vem por aí e o que já passou. Perto de uma hora de trabalho por dia para administrar os interesses. Para culminar, pão picado com dois ovos mal cozidos. Vontade de neve ou de uma simples geada, desconforto no verão urbano. Alguns sintomas discretos de TOC. Depressivo, características autistas? Não, não, engano de uns poucos; apenas, às vezes, introspectivo, contemplativo e um tanto alheio, perdido nas ideias. Necessidade de escrever. Crítico, especialmente com o próprio texto, mesmo que não perca muito tempo com acabamento: vai geralmente como veio. O tormento vem depois, mas passa. Finalmente, em qualquer circunstância, um cigarrinho, que ninguém é de ferro. E assim, quando me dou conta, em vias de adentrar os setenta e um anos de idade.