Prova de eficiência

O pai de Orlando era médico, formado pela Universidade Federal de Pernambuco; a mãe também se tornara colega de profissão do marido, diplomada pela Faculdade de Medicina de João Pessoa, capital do estado da Paraíba.

O patriarca da família, doutor Honório Bezerra, era ortopedista, enquanto sua esposa exercia a ginecologia como especialista. Ambos clinicavam no interior alagoano, terra dos Calheiro e dos Collor de Melo, famosa, também, por ter sido berço de Paulo César Farias, o PC, renomado personagem da República que antecedeu a de Fernando Henrique Cardoso, e que a seguir caiu nas mãos de Luiz Inácio Lulla da Silva, figura folclórica cujos ecos arrogantes ressoam mundo afora.

O garoto Orlando, depois de concluir o ensino fundamental foi estudar no Recife. Passou a morar com os avós paternos, conhecidos nos meios políticos por serem militantes de um partido da esquerda ortodoxa; ambos exerciam importantes cargos na administração pública. O avô era secretário da Fazenda e a vovó Maria cuidava da área social, condição que lhes assegurava a sobrevivência política.

Logo que chegou a Recife, Orlando tornou-se torcedor do Náutico Clube Capibaribe, agremiação de sofridas vitórias e de costumeiras derrotas. No colégio, não se destacou por suas qualidades de bom estudante, menino inteligente, bem comportado, mas, considerando o "pedigree" ostentado pela origem familiar, merecia as melhores considerações da diretoria da escola.

Terminado o segundo grau, não foi difícil a Orlando ingressar na faculdade particular de medicina de Caruaru, cidade a cento e dez quilômetros do Recife, na qual seus avós mantinham grande influência. O vestibular não lhe foi obstáculo. Passou na primeira tentativa. As razões do sucesso classificatório seriam creditadas ao bom relacionamento com o dono da faculdade, merecedor de questionáveis incentivos fiscais patrocinados pela Secretaria de Fazenda estadual, administrada pelo avô.

Seis anos mais tarde, Orlando graduou-se médico, profissão dos pais, e imediatamente exercida em cidades do interior do estado, sem mesmo passar por especializações em cursos regulares de residência médica. No interior do país, jovens recém formados na área de saúde, notadamente colegas de Esculápio, iniciam suas atividades ainda “fresquinhos”, com pouca ou nenhuma experiência. A perícia profissional costuma ser adquirida à custa de sofridos pacientes, mediante a utilização de aparelhagem obsoleta, quando existente.

Orlando quase imediatamente montou consultório. Dizia-se clínico geral, como, aliás, formam as faculdades de medicina; também se fazia de cirurgião, realizando partos, retirando apêndice, amputando membros de diabéticos que sequer realizavam rotineiros exames para aquilatar a saúde.

Em seu consultório, vistosa placa bem elaborada, anunciava:

“Devolvemos o valor de sua consulta, em caso de diagnóstico incorreto. Aqui o paciente tem cura!”.

Certa vez, oriundo do interior de Pernambuco, um homem chamado Marcos de dona Quitéria veio para ser consultado por doutor Orlando.

Atendido com presteza, ouviu do colega de Hipócrates:

– Daqui o senhor não sai sem solução. Identifico qualquer doença, por mais difícil que seja. Se não conseguir diagnosticar seu problema, devolvo o dinheiro da consulta. O que o incomoda, senhor?

– Não sinto o gosto da comida, doutor!

– Tudo lhe parece insípido, não é? – perguntou-lhe o médico, tentando impressionar o humilde paciente com o termo incomum.

Sim! – respondeu o consulente, que embora dotado de poucas letras, conhecia a difícil palavra através da leitura diária da Bíblia. A expressão fora pronunciada por Jesus, com relação ao sal, que seria pisado pelos homens, caso se tornasse sem gosto.

– Sente algo mais, senhor?

– Falta de memória. Esqueço com facilidade os acontecimentos recentes. Não lembro sequer...

O médico o interrompeu para pedir à secretária que lhe trouxesse um vidrinho contendo uma substância escura, marcado, como os demais, por numeração sequencial, e que se encontrava depositado em uma estante próxima.

Abrindo o recipiente, retirou com uma espátula pequena quantidade da massa pastosa e a deu ao senhor Marcos para saboreá-la.

– Arrr! Isso é merda! – disse o pobre homem, cuspindo o que lhe pusera na boca.

– Bom, quer dizer que o seu paladar está ótimo. Agora, vejamos o caso da amnésia.

O médico convocou a secretária para ajudá-lo.

– Dolores, traga-me o vidro 13!

Nesse instante, o paciente, ainda com os dentes amarelados pela substância nojenta que lhe introduziram na boca, disse, raivoso:

– Esse aí, não! Se insistirem, mato alguém – disse, sacando do quadril uma peixeira de lâmina afiada.

– Calma, seu Marcos. Os exames estão dando resultado. O senhor não tem doença alguma. Até sua memória é perfeita!

Doutor Orlando, satisfeito, embolsou o dinheiro da consulta e despachou o homenzinho, conduzindo-o à porta de saída.

Ato contínuo, disse para a secretária:

– Mande entrar o próximo paciente.