DESAFIO À MEDICINA

Tenho uma rica pessoinha na família com sessenta e sete anos, solteira, morava com a mãe, enquanto aquela vivia, hoje reside no mesmo lugar com o irmão e uma empregada. Raramente sai de casa (só para ir a médico ou dentista, quase nunca a festas de família, inclusive casamentos e natais), assiste à televisão diuturnamente, ouve bastante rádio, dorme cedo e acorda às cinco da manhã para um meticuloso banho de mais de hora, religiosamente. Viram o filme "Melhor é Impossível"? Aqui, a situação é muito, muito mais radical. Toma café com leite e rosquinhas de polvilho ao redor das sete horas; depois, almoça por volta das dez horas da manhã, sendo que sua refeição consiste sempre em dois pequenos bifes de carne de gado com arroz. A título de janta, às 16:30h, no verão ou no inverno, toma uma xícara de café com leite, com mais rosquinhas de polvilho. E é literalmente tudo. Não come doce, embora use açúcar para o café com leite, e jamais cogitou de comer fruta, legume ou verdura. E o sol, o astro-rei, ela conhece de longe, dos idos tempos em que ainda veraneava. Exatamente assim leva a vida há bem mais de vinte anos. Quase nunca fica doente, no máximo, um resfriado fugaz.

Quando vejo programas de televisão exaltando a magia terapêutica das frutas, legumes, verduras, grãos, ervas e outros que tais, com propriedades medicinais maravilhosas, que combatem ou retardam o envelhecimento e acrescentam saúde aos que se dedicam à liturgia da longa vida, penso nessa figura ímpar, que já nem sabe mais o gosto de um tomate, de um prato de massa ou de uma maçã e que desconhece a vida ao ar livre, o exercício e o próprio brilho do sol. E que não come carne de peixe ou de frango e que não bebe suco de uva, de laranja, de limão, abacaxi ou batida de banana. Gostaria de ouvir a palavra douta dos especialistas, onipresentes na mídia, que, em delírios matusalênicos, chegam ao desplante de combater o leite de vaca, a carne de gado, o ovo de galinha, a manteiga e outras tantas delícias com que se forjou o homem sobre a terra. Tem gente que vai morrer precocemente pelo simples estresse de conquistar o Santo Graal. Claro, cada um com seu cada qual, é preciso cuidar-se e, de minha parte, a meu modo, respeito a medicina: meu pai era médico, tenho irmão médico e muitos outros parentes na área, mas, cá pra nós, parte deles são uns chatos. Tem gente que morre mais cedo pelo medo de morrer. Ademais, o que é bom mesmo costuma fazer algum mal à saúde. Sou pela reeducação alimentar, pelo combate inteligente ao vício de fumar e em prol de outras ladainhas e catilinárias destes tempos de vida saudável - afinal, sou pai e avô - mas coisa bem boa é um bife na chapa, feijão, arroz, dois ovos fritos com bacon, batatas fritas, pão cacetinho fresco e crocante com bastante manteiga sem sal ou uma costela de porco, cordeiro, gado, a qualquer hora, seja onde for. Você não vai comer o cordeiro inteiro, naturalmente. É forte, faz mal à saúde? Lubrifica com uma cervejinha, se ao meio-dia, ou vinho tinto, se à noite, e a natureza agradecerá.