Onde está Deus?

Manuela e Antônio bateram recorde de convivência. Foram vizinhos de residência na mesma cidade em que nasceram, frequentaram os mesmos colégios, assistiram às missas dominicais na igreja do padre Vicente, trabalharam por longos anos na Secretaria de Saúde do município, formaram-se advogados... Casaram-se jovens, conceberam filhos e viveram felizes, conforme recomendações bíblicas, aconselhando-os a serem “dois em uma só carne”.

E o foram por toda a existência.

A vida lhes foi até camarada. Moraram confortavelmente, não enfrentaram dificuldades financeiras, as amizades foram sinceras e duradoras... Também se sentiram realizados profissionalmente. Trabalharam com seriedade em seus escritórios de advocacia, defendendo causas bem remuneradas, justas e eticamente irrepreensíveis.

As férias do casal eram desfrutadas em praias aconchegantes do nordeste. Algumas vezes viajaram a Nova Iorque, cidade que reputavam acolhedora e culturalmente diversificada. Na Big Apple, assistiram a renomados e inesquecíveis musicais; a Broadway e a Time Square eram seus pontos de frequência favoritos.

Certa vez, em viagem rotineira, sofreram terrível acidente automobilístico. Acompanhavam o casal dois dos seus quatro filhos. A fatalidade ceifou-lhes a vida. Quatro mortes em questão de segundos. Consoante laudo da perícia rodoviária, um erro de cálculo na ultrapassagem foi o responsável pela tragédia.

A infeliz família ficou reduzida aos dois filhos menores, Orlando e Osvaldo, que passaram aos cuidados da avó materna, criatura devotada aos entes queridos com profundo amor maternal. Os meninos tinham cinco e seis anos quando perderam os pais; Orlando era o mais velho. As crianças estudavam em colégio público e pouco se ativeram às obrigações escolares. Gostavam de jogar bola nos campos da vizinhança, desapareciam das vistas da vovó Clotilde, por horas que pareciam uma eternidade. O que faziam nas ruas, ela não tinha a mínima ideia. Restava-lhe, coitada, a preocupação do dissabor inesperado das reclamações.

Dona Clotilde inquietava-se com o futuro dos netinhos sem poder dividir suas preocupações com ninguém da família, pois Manuela fora filha única e ela enviuvara há poucos meses. Perdera o marido para o câncer de próstata, aos sessenta e cinco anos de idade.

Orlando e Osvaldo eram traquinas em excesso. Suas travessuras inquietavam a avó e perturbavam a vizinhança, que sempre reclamava dos maus procedimentos da dupla. Conselhos e recomendações abundavam nas conversas disciplinatórias de dona Clotilde e do velho padre da paróquia frequentada por ela. Contudo, nenhuma mudança de atitude ocorria. Os danadinhos, já ostentando dez e onze anos de idade, não estavam “nem aí” para o que se diziam deles ou se lhes aconselhavam. Os garotos olvidavam de toda orientação disciplinar.

Eis que o velho padre foi aposentado. Em seu lugar, assumiu o novo vigário, jovem, alto, forte, sisudo, cujo semblante revelava o caráter severo e carrancudo de sua personalidade intolerante. Dona Clotilde procurou o padre Etiene, esse era o seu nome, para pedir-lhe que desse uns conselhos à dupla de netinhos problemáticos. Com muito esforço, conseguiu convencê-los a visitar o vigário, em hora previamente acertada. O encontro, porém, seria individual.

Osvaldo, o mais novo, foi o primeiro. Sentado em um banquinho de madeira, o menino, meio assustado, fitava o sacerdote, desconfiado. De sua cadeira interrogativa, o homem santo perguntou-lhe, apontando o enorme dedo indicador, que por pouco não tocava o nariz do assustado jovenzinho:

– Onde está Deus?

Osvaldo o ouvia assustado, desesperando-se a cada repetição feita pelo enérgico vigário.

– Onde está Deus? – insistiu, elevando a voz em alguns decibéis.

Osvaldo sequer conseguia bater as pálpebras. Olhava aquele homem austero, com as sobrancelhas cerradas, mirando-o sem sequer pestanejar, enquanto lhe perguntava, repetidamente:

– Onde está Deus?

A voz forte e sonoramente elevada do padre Etiene provocou em Osvaldo uma súbita diurese. Sem se preocupar com as calças molhadas, levantou-se do banquinho em que sentara momentos antes e saiu porta afora, em desabalada carreira.

Em casa, procurou o irmão mais velho para contar-lhe sobre a inquirição amedrontadora por que passara. Ofegante, disse para o parceiro:

– Mano, estamos ferrados. Deus desapareceu e o padre acha que somos nós, os culpados.

O encontro entre o padre Etiene e Osvaldo foi único. A partir daí, ele e o irmão mudaram o comportamento buliçoso, intrépido, audaz e irresponsável.

Posteriormente, Orlando e Osvaldo encontraram Deus, ao confessarem Jesus Cristo como seu salvador pessoal. Hoje, se lhes perguntarem:

– Onde está Deus?

Responderão convictos:

– Aqui, em nossos corações.