Intervalo
Escrever é um desafio e escrever para “atender” a um desafio é um duplo desafio. Alguns temas, por sua complexidade, mesmo que sejam usados apenas como parâmetro, exigem um grau maior de pesquisa e conhecimento, pois precisamos construir um texto usando o tema, mas sem fazer uso de sua aplicação real, no caso jurídica.
Por isso, desde que fui informada sobre o tema Vacatio Legis*1 tentava encontrar um caminho que me levasse a escrever um texto, pelo menos razoável. Já havia desistido de tentar, mas hoje ao ler a crônica de Raimundo Antônio imediatamente lembrei de outra crônica, desta vez de Maria Olímpia e veio a luz que eu estava procurando.
Refiro-me a saudade nascida do luto. Ele, o luto, é uma espécie de vacatio legis em nossa vida. Ao perdemos alguém que amamos, pois entendo que só colocamos luto por quem amamos, seja para morte ou para própria vida, precisamos de um período de adaptação. Um tempo para reorganizar a vida, os sentimentos, os sonhos.
Nesta vacância, ou ausência de caminho, nos sentimos meio perdidos. Sabemos que a vida vai continuar, apesar de tudo, que, com ou sem a nossa presença, o tempo continuará sua tarefa de fazer a roda da vida girar, mesmo assim sentimos medo, solidão, dor, apego ao que, conscientemente, sabemos que não voltará, e vem desânimo, a tristeza e a horrível certeza de que nada será como antes.
Saber que novos caminhos nos esperam, que a despedida já vem inserida no pacote de chegada, que o fim é a outra face do começo não parece, no período de luto, animador. Ao contrário, tudo é motivo para choro, isolamento e desolação.
Mas, a natureza é sábia. O tempo – olha ele de novo -, o mesmo que não nos espera, vai cuidando das feridas, cicatrizando o que pode ser cicatrizado, acomodando os acontecimentos e dando um novo contorno aos fatos. Numa palavra – curando-nos.
E o futuro, tão temido nos dias de luto, chega sem que tomemos conhecimento que ele esteve sempre ali, no hoje que ainda parecia ser ontem. Passado o período mais intenso do luto aprendemos a lidar com a nova realidade e vamos, cada um no seu ritmo, reconstruindo a rotina, tão necessária nessas horas.
Nesse intervalo de tempo parece que alguma coisa vai crescendo, amadurecendo dentro de nós. Quando somos chamados de volta a vida estamos mais fortalecidos, maduros e, de alguma forma, conformados com a nova realidade.
É nessa hora que fazemos uso da massa argilosa*2 e esculpimos os castelos de nossos sonhos. Passado o luto sabemos que a saudade nunca vai nos abandonar, que a perda fará, para sempre, parte de nossa história, mas não pode nos impedir de seguir em frente.
Assim como um rio que caminha para o mar, mesmo sabendo que este será seu fim, nós precisamos caminhar para morte com a mesma grandeza e humildade, sem perder a capacidade de seguir nosso percurso alimentando-nos com o que a vida tem de melhor.
Sei que assusta menos pensar na nossa própria morte que na inevitável perda das pessoas que amamos, que a razão quase nunca nos prepara para este momento, mas é preciso acreditar que, de uma forma ou de outra, nós sempre vencemos o luto, apesar daquele vazio que fica em algum lugar de nossa alma.
Obrigada Maria Olímpia e Raimundo Antônio, pela valiosa contribuição.
Mossoró - RN, 11/04/10 - 7 meses sem papai.
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Vacatio Legis.
Saiba mais, conheça os outros textos:
http://encantodasletras.50webs.com/vacatio.htm
N. A:
*1 Vacatio legis é uma expressão latina que significa "vacância da lei"; designa o período que decorre entre o dia da publicação de uma lei e o dia em que ela entra em vigor, ou seja, tem seu cumprimento obrigatório.
*2 “(...) Massa argilosa para tapar fendas das vasilhas que queremos fechar hermeticamente. (...)”. Conceito de luto extraido do texto de Maria Olímpia.
Escrever é um desafio e escrever para “atender” a um desafio é um duplo desafio. Alguns temas, por sua complexidade, mesmo que sejam usados apenas como parâmetro, exigem um grau maior de pesquisa e conhecimento, pois precisamos construir um texto usando o tema, mas sem fazer uso de sua aplicação real, no caso jurídica.
Por isso, desde que fui informada sobre o tema Vacatio Legis*1 tentava encontrar um caminho que me levasse a escrever um texto, pelo menos razoável. Já havia desistido de tentar, mas hoje ao ler a crônica de Raimundo Antônio imediatamente lembrei de outra crônica, desta vez de Maria Olímpia e veio a luz que eu estava procurando.
Refiro-me a saudade nascida do luto. Ele, o luto, é uma espécie de vacatio legis em nossa vida. Ao perdemos alguém que amamos, pois entendo que só colocamos luto por quem amamos, seja para morte ou para própria vida, precisamos de um período de adaptação. Um tempo para reorganizar a vida, os sentimentos, os sonhos.
Nesta vacância, ou ausência de caminho, nos sentimos meio perdidos. Sabemos que a vida vai continuar, apesar de tudo, que, com ou sem a nossa presença, o tempo continuará sua tarefa de fazer a roda da vida girar, mesmo assim sentimos medo, solidão, dor, apego ao que, conscientemente, sabemos que não voltará, e vem desânimo, a tristeza e a horrível certeza de que nada será como antes.
Saber que novos caminhos nos esperam, que a despedida já vem inserida no pacote de chegada, que o fim é a outra face do começo não parece, no período de luto, animador. Ao contrário, tudo é motivo para choro, isolamento e desolação.
Mas, a natureza é sábia. O tempo – olha ele de novo -, o mesmo que não nos espera, vai cuidando das feridas, cicatrizando o que pode ser cicatrizado, acomodando os acontecimentos e dando um novo contorno aos fatos. Numa palavra – curando-nos.
E o futuro, tão temido nos dias de luto, chega sem que tomemos conhecimento que ele esteve sempre ali, no hoje que ainda parecia ser ontem. Passado o período mais intenso do luto aprendemos a lidar com a nova realidade e vamos, cada um no seu ritmo, reconstruindo a rotina, tão necessária nessas horas.
Nesse intervalo de tempo parece que alguma coisa vai crescendo, amadurecendo dentro de nós. Quando somos chamados de volta a vida estamos mais fortalecidos, maduros e, de alguma forma, conformados com a nova realidade.
É nessa hora que fazemos uso da massa argilosa*2 e esculpimos os castelos de nossos sonhos. Passado o luto sabemos que a saudade nunca vai nos abandonar, que a perda fará, para sempre, parte de nossa história, mas não pode nos impedir de seguir em frente.
Assim como um rio que caminha para o mar, mesmo sabendo que este será seu fim, nós precisamos caminhar para morte com a mesma grandeza e humildade, sem perder a capacidade de seguir nosso percurso alimentando-nos com o que a vida tem de melhor.
Sei que assusta menos pensar na nossa própria morte que na inevitável perda das pessoas que amamos, que a razão quase nunca nos prepara para este momento, mas é preciso acreditar que, de uma forma ou de outra, nós sempre vencemos o luto, apesar daquele vazio que fica em algum lugar de nossa alma.
Obrigada Maria Olímpia e Raimundo Antônio, pela valiosa contribuição.
Mossoró - RN, 11/04/10 - 7 meses sem papai.
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Vacatio Legis.
Saiba mais, conheça os outros textos:
http://encantodasletras.50webs.com/vacatio.htm
N. A:
*1 Vacatio legis é uma expressão latina que significa "vacância da lei"; designa o período que decorre entre o dia da publicação de uma lei e o dia em que ela entra em vigor, ou seja, tem seu cumprimento obrigatório.
*2 “(...) Massa argilosa para tapar fendas das vasilhas que queremos fechar hermeticamente. (...)”. Conceito de luto extraido do texto de Maria Olímpia.