Atormentado pela desconfiança

Maria José casou-se com Marcílio, seu antigo colega de colégio. Conheceram-se ainda crianças. Brincaram juntos, estudaram as mesmas lições escolares, compartilharam joguinhos lúdicos nas ensolaradas tardes do sertão baiano, onde viveram por toda a infância, adolescência e parte da idade adulta. Casaram-se aos vinte anos e foram morar no Rio de Janeiro.

A condição financeira e econômica do casal livrou-os de enfrentar as dificuldades dos conterrâneos que mudaram de endereço em busca de emprego e de vida confortável. Uma ilusão, confirmada pelas agruras sofridas, entretanto, agradecidos a Deus por ter-lhes livrado da morte por deslizamentos de terra, comuns nos morros cariocas.

Mazé, como era conhecida na intimidade, estudou em faculdade particular do bairro em que morava na Cidade Maravilhosa (e que maravilha de insegurança!), até formar-se em enfermagem. A profissão levou-a a conhecer as dificuldades nosocomiais evidentes nos estabelecimentos de saúde pública, e ao sofrimento das parturientes auxiliadas por ela no doloroso, porém gratificante momento de trazer ao mundo uma nova vida.

Maria contava com vinte e oito anos de idade e ainda não tivera filhos. A falta de concepção para ela era frustrante. O casal gastou parte das economias, tentando a inseminação artificial, procedimento que em nada resultou. Mazé atribuía-se a anomalia conceptiva. Marcílio, por sua vez, não admitia submeter-se a exames para confirmar sua fertilidade.

Marido e mulher aceitaram o destino. A natureza negara-lhes a oportunidade de fazer germinar a semente que lhes permitiria a continuidade do nome da família: Silva, denominação agora famosa, depois de Luiz Inácio ter sido eleito presidente da República.

O epônimo “Lula”, nessa oportunidade, juntou-se ao sobrenome Silva. Atualmente, onde se lê “Lula da Silva”, tem-se a impressão de algo honroso; mera ilusão, haja vista a ausência de memória de Sua Excelênica sobre fatos delituosos e de vergonhosa repercussão nacional.

Deixa Lula prá lá! Voltemos ao tema principal.

Sozinhos, Mazé e Marcílio viviam vidas monótonas. Aos finais de semana, saiam em busca de diversão nos barezinhos e casas de espetáculos da cidade. Ele gostava de futebol e aos domingos bandeava-se com os amigos para assistir aos jogos do Flamengo, agremiação de raro sucesso. Mazé curtia as tardes domingueiras revendo as gravações que fazia do programa Big Brother, espetáculo a que ela atribuía como de grande valia para seus conhecimentos interpessoais.

No dia 01 de abril último, data do genetlíaco de Maria, ela e Marcílio foram a um afastado bairro da cidade, de paisagem contemplativa. Em um bar, sentaram-se a uma mesa com exuberante vista citadina. Estavam sós. Próximo deles, um senhor de meia idade bebia solitariamente uma cervejinha, saboreando-a como se fosse o mais delicioso dos manjares.

Sem resistirem ao ímpeto descontrolado, foram à mesa do desacompanhado senhor e perguntaram-lhe se podiam juntar-se a ele, pois, igualmente solitários, careciam de boa palestra.

Prontamente aceitos, iniciaram amistoso colóquio.

Depois das apresentações, Marcílio perguntou ao senhor Eleazar:

– Alguma desilusão? Por que bebes sozinho?

– Absolutamente! Bebo para comemorar excelente conquista.

– Amorosa? – perguntou Mazé.

– Sou fazendeiro. Tenho três vascas, de alta linhagem, que jamais ficaram prenhes. Ontem, tive confirmada a gestação há muito almejada. Estou feliz, sim!

– Que bom! Nós também passaamos por dificuldades semelhantes. Bem mais importante, por sinal. Buscamos um filho que não nos vem. Meu marido e eu insistimos, insistimos, e nada! – disse desiludida.

...

– Como o senhor conseguiu que suas famosas vaquinhas ficassem prenhas? – perguntou Mazé displicentemente.

– Troquei de reprodutor!

Marcílio baixou a cabeça para esconder a humilhação.

Maria José, a partir daquele momento adotaria a tática do senhor Eleazar. Iria satisfazer o seu grande desejo. Marcílio sentiu nos olhos da mulher a firme disposição de traí-lo para conseguir seu objetivo: tornar-se mãe!

Dali em diante, ele redobraria a vigilância aos vizinhos, controlaria as visitas da esposa ao dentista, não iria mais ao Maracanã para assistir aos jogos dominicais do Flamengo...

Enfim, seria mais atento aos passos de Mazé.