COME CHOCOLATES, PEQUENA!

Curti muito a Páscoa nos tempos em que morava com a família em Encantado: chocolate, marzipã, pão de mel, balas e ovos de galinha coloridos, vedados com um tampão de papel e recheados de amendoim açucarado. Talvez acreditasse no Coelhinho, já que Papai Noel para mim era sagrado, como narrei em "Memórias da Infância". O coelho é símbolo de fertilidade, aprendi depois, e era difícil associá-lo a chocolate ou a ovos de galinha pintados, mas eu procurava o cestinho com fé, ansiedade e desejo. Com meus filhos, ocorreu o mesmo, talvez com pequenas alterações de ingredientes em seus ninhos enfeitados.

Depois do Natal, a Páscoa é o mais belo ritual do cristianismo, que marca a infância de quem pôde ou pode usufruí-lo. Pelo aumento do leque de opções, creio que os custos se equivalem, entre ontem e hoje, mas o recrudescimento atual da crise oferece alternativas econômicas e criativas sempre. É engraçado, o mundo mudou tanto, mas, por felicidade e também por força de costumes religiosos, certas práticas foram preservadas, fato que mantém a identidade do homem sobre a terra, faça chuva ou faça sol. A família, a sociedade, o próprio clima do planeta, estão em constante alteração, mas há valores que resistem bravamente a revoluções, modismos e terremotos. Acho que esta também é ocasião para concluirmos que nem todas as mudanças são boas, o novo nem sempre é melhor e a modernidade não significa liberdade irrestrita para substituir valores e conceitos tradicionais. A própria História nos ensina isso. Se o futuro da humanidade for muito diferente do que estes dois mil anos de civilização cristã - ou mais, se quiserem trazer à tona a história antiga - os futuros seres nos serão estranhos e nem adianta sonhar com esse amanhã distante.

Mas vamos ficar aqui, no presente, com este gostinho de família e chocolate, de intimidade, de amizade e com um pedaço de fé, porque, nesta passagem, fisicamente próximos ou distantes, a gente comunga a paixão do homem, que é a pequena grande luta de cada um para cumprir sua trajetória, em harmonia cósmica. A festividade maior é a que envolve a criança, a ternura, a verdade, o projeto de futuro, a esperança.

“Come chocolates, pequena, olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. Come, pequena suja, come! pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!” (Fernando Pessoa, "in" A Tabacaria). E assim caminha a humanidade, apesar das crises, da ganância, da hipocrisia e da estupidez dos homens - especialmente dos que se acreditam predestinados. Eles não pertencem à simplicidade do nosso mundo, pois têm uma essencialidade ridícula. A nossa vida é, afortunadamente, aquela que respira o ar puro da planície ensolarada e verdejante; são os filhos ou netos pequenos, os parentes, as festas calorosas e tradicionais que unem a família e os mais chegados, o chimarrão, o bom vinho tinto ou aquele ovo caseiro de Páscoa, quando o comércio descola da gente. Nem gosto muito de chocolate ou de doces, mas a Páscoa é sagrada e, se for preciso comer cenoura, eu sou parceiro no afã de agradar o Coelho.