AMORES ANTIGOS

AMORES ANTIGOS

Rangel Alves da Costa*

Os amores de antigamente, incluindo-se nesse contexto as aventuras amorosas, os namoros, as paqueras, os noivados e os casamentos, tinham uma conotação muito diferente do que se vê e se tem hoje, mas nem por isso eram menos amores, menos ardentes e menos apaixonantes.

Quando falo de amores antigos não quero me referir aos relacionamentos de cem cinqüenta anos atrás, onde o cunho da consideração familiar, do conservadorismo e do respeito prevalecia na maioria dos relacionamentos. Maioria porque a história da vida privada está permeada de relatos de intrigas amorosas nas grandes famílias, onde efervesciam as alcovas e as imponentes damas e os respeitáveis cavaleiros davam o tom da vida mundana palaciana.

Refiro-me, na verdade, a uns vinte, vinte cinco anos atrás, nas cidades interioranas onde se dizia que a contaminação da libertinagem prevalecente nos grandes centros urbanos ou nas cidades mais prósperas ainda não havia chegado, ao menos visivelmente pelos cantos e recantos das noites de lua cheia, convidativas à desenfreada libertação dos prazeres mais obscenos.

Não faz muito tempo, portanto, que a paquera interiorana se resumia aos recadinhos e bilhetinhos enviados de um sonhador para o outro, através da amiguinha mais confiável. "Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão, se vejo você passar me alegra o coração", "No meu jardim florido, você é o jardineiro que tanto tenho querido", "Prove que quer namorar comigo passando às seis horas em frente da minha janela", eram os bilhetinhos enviados como início de um amor verdadeiro. Quase sempre.

Quando o namoro se firmava, nada de estar se agarrando pelos cantos, trocando beijos e carícias às escondidas. Não. O lugar de se namorar era dentro de casa mesmo, na sala de visita, na varanda ou na calçada, mas sempre com os dois sentados em duas cadeiras juntinhas, no máximo com as mãos dadas, e tendo sempre os olhos atentos do pai ou da mãe da mocinha ali por perto. Muitas vezes a mãe sentava defronte aos dois e ficava fazendo tricô até o instante que ele desse boa noite e fosse embora. Beijos nem pensar, muitas vezes nem conversavam nada daquilo que desejavam, apenas ficavam ali juntinhos e fazendo planos silenciosos para saírem logo daquela situação.

Muitas vezes os pais da mocinha, por problemas pessoais ou políticos, não queriam nem ouvir falar que sua filha estivesse namorando com sicrano ou beltrano. Muitas dessas mocinhas, de pais mais arrogantes e conservadores, eram simplesmente expulsas de casa se fosse confirmado que estavam se encontrando com o "cabra safado". Como conseqüência dessa desaprovação, que em nenhum momento considerava os sentimentos dos dois, é que não raras vezes o casal de apaixonados decidia fugir.

Era isso mesmo, fugir. Assim, o rapaz combinava com a mocinha que tantas horas da noite se encontrariam em tal lugar e de lá seguiriam para a casa geralmente da pessoa mais influente do lugar, que sempre dava guarida em casos assim. Depois de fugir não tinha mais jeito mesmo, pois a honra agora devia ser provada com o casamento, mesmo que as famílias fossem inimigas e não aprovassem tal situação. E assim mais uma união conjugal era encetada naquelas vastidões ainda matutas.

Naqueles tempos, a honra da mulher casada era a mais pura comprovação do amor e devoção ao marido, realmente existentes. Contudo, quando a mulher era mal falada não tinha mesmo jeito não, pois ou o marido traído a abandonava imediatamente, torcendo que a fama dela se afundasse na lama, ou simplesmente passava a aceitar as piadinhas e as risadinhas quando passava e a suportar, ainda por amor, a traição como injusto destino. O pobre coitado fingia sempre que não estava sabendo de nada.

Mesmo com as persistentes lições da safadeza fazendo escola, ainda assim o que se podia perceber era a honradez plena e a dignidade de esposa sobrepujando na maioria daquelas mulheres simples, pobres e marcadas pelo destino de estarem sempre ao lado do seu amor escolhido não por obra do acaso.

Essa característica de seriedade acima de tudo é que as tornavam invulneráveis quando os seus esposos viajavam para o sul para trabalhar e por lá ficavam meses e meses e até anos. Quando retornavam ainda tinham a satisfação de encontrar seus amores não contaminados pela febre da devassidão, que tanto fazia e ardilosamente insistia para entrar pelas portas do fundo da casa. Não conseguia porque a honra não dava passagem.

Não somente as casadas, pois muitas mocinhas noivavam e em seguida os namorados viajavam para trabalhar em outros locais distantes, de onde mensalmente enviavam determinada quantia para que elas fossem arrumando os enxovais, comprando uma coisa ou outra para o futuro lar. E o bonito é que essas noivas, geralmente ainda virgens, esperavam o tempo que fosse necessário para que os seus amados retornassem. Era maravilhoso de se ver e sentir quanta seriedade e conduta exemplar naquelas encantadoras pessoas daquele mundão de meu Deus.

O tempo passou, é verdade. As situações são totalmente diferentes, é verdade. Os valores considerados pela sociedade são totalmente diferentes do que no passado, isso também é verdade. Mas é mentira de quem disser que tudo isso que se vê atualmente não passa de um fio cortante na alma de quem ainda procura preservar os valores éticos e morais, ainda confia na seriedade do amor e do amor imenso que se baste entre dois. Ter um amor imenso não significa ser imensamente frágil na doação desse amor que, por ser importante demais, deve ser somente para o outro e não até para o desconhecido.

Advogado e poeta

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