Em busca de Zezecas e Zé Motas
Em certos aspectos dá para constatar que a nossa formação ocidental, muito pautada em conquistas materiais e na eterna busca pelo novo, fez com que olhássemos com algum desdém para tudo o que simboliza passado. Exatamente o contrário do que prega a tradição de povos do extremo oriente, a exemplo dos japoneses e chineses. Nela, a experiência dos mais velhos tem valor inestimável e deve ser motivo de orgulho para as novas gerações.
É com um olhar oriental que homenageio em meu texto número 500 (em publicação contínua no jornal Tribuna Livre, de Viçosa-MG, desde janeiro de 2000) duas pessoas que têm muitíssimo a ensinar pela trajetória de vida, pela grandeza espiritual e pela atitude generosa diante do presente e do futuro. Elas merecem meu respeito e admiração não pela posição que ocupam na sociedade ou por quaisquer feitos cívicos que costumam motivar as homenagens públicas, mas por serem as pessoas simples e carismáticas que são.
Começo por Maria José Macedo Ladeira, carinhosamente chamada de Zezeca por todos que a conhecem. Aos 82 anos e viúva de dois casamentos, ela é em essência um misto de altivez, alegria e vivacidade. O Sítio Santo Antônio, em Cajuri-MG, é o recanto onde ela abraça as incontáveis pessoas do seu convívio.
Desde que entrei para sua família (ela é tia e madrinha da minha esposa Luciana) tive o grande privilégio de poder chamá-la de tia Zezeca, como assim o fazem as dezenas de sobrinhos e sobrinhos-netos de verdade. Algo que já seria muito gratificante para alguém que mora tão longe de sua própria família. Na verdade, a condição de sobrinho agregado me deu a oportunidade de conhecê-la mais de perto, de compartilhar do seu convívio, de admirar as suas histórias, a sua incansável energia para cuidar de plantas (suas orquídeas são um capítulo a parte!) e dos muitos animais de estimação que vivem ao seu redor.
Tia Zezeca e a sua andança ao longo de mais de oito décadas mereciam um livro ou um filme. Posso garantir que seria um enredo rico e tocante. Aqui me proponho apenas a destacar o seu amor pela vida, a sua vontade em proporcionar ao outro um acolhimento desinteressado. Duas qualidades que se escasseiam nestes dias de egoísmo e desconfiança exacerbados.
Qualidades essas que também pude ver no segundo homenageado, a quem tive o prazer de conhecer pessoalmente a pouco mais de quatro meses. Aos 78 anos, o aposentado José (Zé) Mota fez literalmente na rua onde mora, no bairro Santa Clara, em Viçosa, um canteiro florido. Ao lado, cerca de quinze anos antes, ele plantou um flamboyant, que hoje se encontra frondoso e virou uma espécie de referência no local.
“Seu” canteiro de flores, muito mais do que qualquer outro que exista na cidade, é nitidamente diferente. Não que haja ali exemplares raros ou exóticos que mereçam a atenção de quem passa. Aquele canteiro público, que divide ao meio a rua Horácio Borges, é adubado e regado com uma substância que não costuma ser classificada por suas características químicas. Seu efeito prático, no entanto, salta aos olhos. Há amor e dedicação na obra daquele homem simples, que doa seu tempo e sua energia para fazer o bem à coletividade. E como faz!
A biografia de Zé Mota é muito mais rica do que apenas este aspecto que aqui menciono. Porém a mim ele basta como exemplo do quanto temos que aprender com a experiência de quem já trilhou um longo caminho.
Quem dera todos pudessem olhar ao redor e se dar conta de que existem Zezecas e Zé Motas tão perto. Perceber que estas pessoas teriam muito a ensinar se fossem apenas vistas e ouvidas.
(texto publicado no Jornal TRIBUNA LIVRE, Viçosa-MG, em 26 de março de 2010)