O PRIMEIRO CÉU É O DA BOCA

O PRIMEIRO CÉU É O DA BOCA

Rangel Alves da Costa*

O céu pode esperar. Diante dos teus atos aqui na terra, que sempre foram e continuam sendo os mais dignos e louváveis, revestidos de bondade, de paz e de plena comunhão com os preceitos da fé e dos ensinamentos divinos, não há outra coisa senão esperar a entrada triunfal pelos portais da abóbada celeste, que é o céu.

Verdade é que quando chegar o momento exato de despedida da vida terrena todo mundo quer subir pelas escadarias dos justos e se transformar num espírito iluminado, com as virtudes eternas da pessoa boa que foi entre nós. E a primeira coisa que se diz é que a essa hora deve estar lá no céu sentado ao lado do Senhor.

Que céu bom que todos querem ir. Contudo, tal qual moradia terrena, que se constrói com alicerces fortes e seguros, com pedras, areia, cimento, cal e muito esforço humano para que se alcance os objetivos da obra, pronta para nela viver enquanto vida tiver, a moradia no céu também deve ser construída daqui da terra, com os mesmos materiais resistentes, que são os alicerces da postura do indivíduo e os materiais espalhados nas suas ações.

Mas como se poderia construir na terra um abrigo no céu se o indivíduo não consegue nem manter dignamente o céu da sua boca? É verdade, na boca existe um céu, que a ciência chama de palato, formado por abóbada, com astros e estrelas e tudo mais que um céu celestial deve conter, só que neste caso a divindade maior é o próprio homem. Este sim, responsável pela sua pureza ou impureza. No céu que se firma após o horizonte estão depurados os atos da vida; enquanto que no céu da boca do homem estão depurados os atos da terra.

Os poetas olham para o céu estrelado ou para a nuvem que passa ou a chuva que cai e inventam suas dores e amores; os pecadores quase não enxergam o céu de tão longe que ele vai ficando cada vez mais aos seus olhos concupiscentes; os tementes em não alcançá-lo vão olhando para cima e tentam refazer ou reorientar suas vidas para que reste alguma esperança; os que sabem que ainda não são merecedores de tal moradia ficam cada vez mais próximos de seus portais, pois são conscientes de que o alcance não cabe àqueles que desejam, mas sim àqueles que desejam somente praticar o bem sobre a terra. Eis o céu que se vê lá no alto, tão bonito e azul, tão estrelado e impávido, tão distante e tão próximo.

Já o céu da boca é quase uma ovelha negra esquecida, um teto que se desabar talvez muitos nem sintam, mas que faz parte do alicerce para se chegar ao céu celestial, ao paraíso. Mas por quê? Porque o mal que entra pela boca se instala naquela abóbada escondida e se não for depurado, expurgado do seu conteúdo maléfico e transformado depois em conceitos conscientes do que é certo e errado, certamente voltará através de palavras ditas que vão externamente somar o mal com o mal. E as palavras, como todos sabem, denigrem, ferem, matam, transformam o bem num mal na hora que desejar. E tais ações impedem sonhar com o outro céu.

Já pensou sobre a importância e a responsabilidade do céu da sua boca? Neste momento pode estar iluminado porque você disse coisas boas, não mentiu, não soltou pela boca todos os impropérios possíveis só porque um menino tocou a campainha e pediu uma esmola logo no momento em que você dava comida ao seu cachorrinho de estimação. Neste momento também pode estar um céu de trevas, pois tudo que há de ruim ou negativo sua boca foi agente ativa, falando, dizendo, respondendo. E como o céu de sua boca é também um arquivo, certamente que nele estarão estocados todos os elementos que impedirão sua passagem para o outro céu.

O ditado bíblico dizendo que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino do céu, se transformado para o céu de sua boca talvez ficasse assim: é mais fácil um camelo entrar em sua boca do que você ir para o céu com a boca suja que tem.

Advogado e poeta

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