OS 101 DEFEITOS DE UM HOMEM

Como acho o tema interessante, republico de tempos em tempos esta crônica. "Até pouco conservava uma agenda em que meu pai, enquanto aguardava meu regresso a casa, nos anos rebeldes da juventude, resolvera enumerar todos os meus defeitos. Na verdade, a lista era composta de cento e uma qualidades que um homem exemplar tinha de possuir. Abundavam os sinônimos que o velho garimpara na mina das virtudes bíblicas. Era um documento pedagógico, com expressas críticas ao meu modo de ser. Achei engraçado, mas, fosse como fosse, a listagem de defeitos/qualidades era exaustiva e endereçada a mim. Havia um ângulo positivo: com tantos defeitos no lombo, qualquer conquista seria lucro e assim fui carregando a bagagem, desde meados dos anos 60. Deve ter sido este justamente o objetivo do "velho": provocar-me para que eu despertasse e tomasse rumo.

Trago à baila este pitoresco fato familiar, só para dizer que sou do time dos que deglutem a crítica, embora tenha muitas justificativas para aquilo que me apontam como erro ou defeito. Tentando ser ainda mais sincero: sou dos que não gostam muito de crítica, mas dela precisa, conseguindo digeri-la depois de certa pausa, desde que não tenha sido agressão ou artifício de quem deseja atacar. Não é muito fácil aceitar bem uma crítica, refletir, fazer autoanálise limpa e dar um passo para a mudança. Como geralmente as pessoas atiram pedras quando veem seus interesses contrariados, estou sempre com um pé atrás. Até meu pai exagerou ao cobrar comportamento jesuítico a um adolescente cheio de energia e anseios, ainda em busca de sua identidade num mundo contraditório e que se transformava. Exagerou, mas estava certo, afinal, pai é pai e alguém, com certa autoridade, tem de exercer este duro encargo.

Nem cogito dos assomos da inveja. Quanto a este tópico, cabe frase que anotei não me lembro de quem: “Os ataques da inveja são os únicos em que o agressor, se pudesse, preferia fazer o papel da vítima”.

Pouca gente é capaz de aceitar realmente a crítica, mesmo a mais hábil e sutil, mas isto não me tolhe de ser crítico, tal como minha mãe, a "super sincera", que não fazia volteios para dizer o que achava. Se você quer mesmo saber minha opinião, esteja preparado, porque costumo falar o que eu acho. Meu próprio pai – que nem por isso deixou de ser grande homem – não conseguia fazer autocrítica. Talvez achasse inconveniente reconhecer defeitos perante os filhos. O "velho" tinha alguma razão, porque se paga preço alto ao admitir debilidades, sobremodo aqueles que têm por função cobrar acertos e virtudes, como pais e professores, por exemplo. É que muitos se apressam em colocar o dedo na ferida e arranjar pretextos para burlar os códigos. Nas discussões de casais, uma autocrítica hoje pode tornar-se arma mortífera contra si próprio amanhã. Acho que é por isto que as pessoas discutem tanto: mais do que amor próprio, convicção ou teimosia, é legítima defesa e medo de entregar o ouro. Sem considerar os que buscam apenas escamotear debilidades irrecuperáveis e comprometedoras. Todos nós, creio, já passamos por tais dissabores, de um jeito ou de outro. Às vezes, sinto necessidade de confessar para alguém que sou uma grande porcaria, mas tenho receio, porque, num momento seguinte, posso ter de me jactar, desde que recuperada e a pleno vapor a autoestima. Aí, então, o(a) depositário(a) da minha confiança de véspera vai dar um risinho maroto e retrucar "mas tu não eras uma grande porcaria?" Coisas do fator humano. Imagina só quando os personagens são de baixa qualidade.

Mas, enfim, com 101 defeitos registrados, fiquei mais aliviado para enfrentar o dia a dia. Aliás, sobrou, também, muito pouco para os críticos de plantão. Tá bem, tá bem, com esse que você está pensando, ficam, então, 102. Só tem um detalhe: para me criticar fundo, com autoridade, e me impressionar de verdade, tem de já ter comido muito feijão com arroz."