Incontrolável desejo

Euzébio e Mariângela formavam um casal muito religioso. Ele procedia do estado de São Paulo e ela do Paraná. Conheceram-se na universidade, quando cursavam odontologia na capital da República. Depois de formados, resolveram casar. Contraíram núpcias em 01 de janeiro de 1979, data em que ambos comemoravam vinte e cinco e vinte e seis anos de vida, respectivamente.

O casório foi o presente supremo que se concederam.

O genetlíaco do casal, portanto, passou a ser comemorado no mesmo dia em que celebram as próprias bodas.

O padre Josué, carinhosamente tratado pelos paroquianos por padre Jô, contava com os serviços religiosos de Euzébio para ajudá-lo na celebração da Santa Missa. O jovem fora coroinha na infância, e por pouco não se ordenou sacerdote. Escolheu tornar-se dentista, mas jamais esqueceu as obrigações eclesiásticas; ele fazia parte da irmandade Franciscana e a mulher da associação Filhas de Maria. Como bons católicos, confessavam-se regularmente e comungavam após terem os pecados “perdoados” pelo reverendo que lhes atribuía penitências suaves, considerando os bons procedimentos do casal, também conhecido por sua generosidade para com os pobres.

Aos trinta e cinco anos de idade, Euzébio resolveu participar da agremiação Opus Dei, instituição católica romana, fundada pelo santo espanhol São Josemaria Escrivá, em 1928. Hoje, a entidade está presente em sessenta e seis países, conta com oitenta e cinco mil membros, dos quais noventa e oito por cento são leigos, e tem por objetivo promover retiros espirituais, palestras doutrinárias e aulas de catecismo, entre outras atividades voltadas para o enlevo espiritual. A instituição é composta por pessoas leigas, casadas ou solteiras, e por sacerdotes, com missão evangelizadora. É descrita como um movimento do Vaticano contra a Teoria da Libertação.

O Código Da Vinci, livro escrito por Dan Brown, despertou a curiosidade do leitor para a prática da mortificação corporal dos fiéis do Opus Dei ou Obra de Deus. Segundo seus participantes, tal sofrimento é praticado com moderação e consiste na privação física de determinado alimento ou de não beber água estando com sede. Os que defendem a irmandade advogam que Dan Brown exagerou em seu livro, ao citar práticas de violência contra o próprio corpo.

Na América Latina, o movimento é bastante forte. No Brasil, existem inúmeros participantes. Um deles, segundo noticiou a imprensa no período eleitoral de 2006, é o ex-governador de São Paulo e candidato derrotado por Lulla na última eleição presidencial, Geraldo Alkimim. Sua excelência nega participar da instituição, embora confesse admirar o movimento, ai considerado o de bom conceito, abstraindo, portanto, as referências desfavoráveis de seus críticos, como Maria Amália Longo Tsuruda, doutora em História da Educação pela FEUSP. Em seus comentários, a insigne historiadora classificou a Opus Dei como uma falsa obra de Deus.

Euzébio sempre olvidou as críticas negativas à irmandade. Fazia um esforço danado para manter-se íntegro em seus procedimentos. Levava muito a sério os rituais de mortificação a que se impunha fisicamente, inclusive a abstinência sexual. Prometera dez meses sem a prática do sexo. Embora bastante religioso, ele sempre se achou um bom amante, daqueles que fazem sexo com vigor e empolgado desejo. Essa ambição, aliás, era um dos “espinhos na carne” que tanto pediu para Deus o livrar. Temia não suportar a pressão hormonal e praticar alguma loucura da qual viesse a se arrepender amargamente.

Os meses que se seguiram ao voto para se manter o mais santo possível diante de Deus, dos homens e, particularmente, aos olhos da Opus Dei, foram passados com intensa dificuldade. A instituição era rigorosa quanto ao cumprimento dos preceitos éticos e morais de seus membros, exigindo-lhes vida ilibada e consagrada ao ministério.

A abstenção sexual perturbava-o muito. Às vezes, chegava a dormir no sofá para não sentir o perfume embriagador exalado do corpo sedutor da esposa, dormindo ao seu lado. Ela compartilhava com ele a penitência carnal, sofrendo as mesmas agruras do desejo sexual contido a duras penas.

Euzébio deixara de ler revistas e de ver televisão, pois fotografias e cenas eróticas, exibidas com abundante malícia, ameaçavam sua penitência. Talvez a mortificação física praticada por alguns irmãos da entidade, como forma do sofrimento reparador dos pecados cometidos, fosse menos difícil de cumprir.

Como acontecia semanalmente, Euzébio e Mariângela foram fazer as compras domésticas em supermercado próximo de casa. Percorriam as gôndolas, depositando os produtos escolhidos no carrinho metálico que ele empurrava seguindo a esposa a pouca distância. A mulher era bem proporcionada, vistosa, as pernas pareciam ter sido buriladas em torno computadorizado, de tão perfeitas. O vestido um pouco curto, de tecido fino, revelavam lindos quadris que se mexiam harmoniosamente ao compasso de um andar sensual e faceiro.

Euzébio não suportou a bela visão. Aproveitando uma sessão do estabelecimento quase deserta, abraçou a mulher por trás, beijando-a louco e descontroladamente. Depois da pouca resistência da bela senhora, consumou o ato despreocupado com os votos que fizera de abster-se por dez meses do maior dos prazeres: o sexo.

Dias depois, Euzébio encontrou um amigo, atento ouvinte de suas pregações moralistas e doutrinárias, a quem narrou o episódio. O rapaz aparentava profunda consternação pelo ocorrido naquela malfadada tarde de compras, onde Satanás se interpôs entre o sagrado e o libidinoso. Instantes de silêncio serviram para encorajar o amigo a perguntar-lhe:

- Depois disso te mandaram embora do supermercado, não foi?

- E da Opus Dei – respondeu entristecido.

Euzébio estava disposto a reiniciar a mortificação do seu corpo pecaminoso, mesmo sem mais pertencer à entidade por quem tinha grande simpatia e respeito. A quebra da promessa seria purgada mediante a aplicação de severas penas que lhe aplicaria sem restrições.

O martírio, doravante, seria exercido com mais rigor; castigaria a carne corrupta sem piedade. As dores, por intensas que fossem, seriam mais fáceis de suportar.

Abster-se do sexo, nunca mais!