Órfão
Perdi meu bloco de anotações. Será que alguém conhecido encontrou?
Cara, alguém vai ler minhas poesias, as cartas de amor que escrevi pra minha esposa, os desabafos sobre a vida, a conta do armazém. Uma oração que eu escrevi chorando.
Será que alguma coisa que escrevi poderá ser usada contra mim? Lembro que tinha uma crônica sobre uma mulher tarada, a história de uma criança que eu salvei a vida. Meu discurso de orador da turma, a conta do armazém...
No meu bloquinho tem uma poesia inocente que diz assim: “Meu poema é doce como pirulito, mas depende de quem lê. Às vezes falo coisas tristes, às vezes falo de você”.
Pois é. E se uma moça perdida no deserto da vida tiver encontrado meu bloco e ler por obra divina só as páginas que falam de amor e redenção. Meu bloquinho pode estar agora, nesse mesmo instante em que você está lendo, dando conselhos a um jovem suicida. Ou talvez esteja apenas alimentando o fogo de um mendigo.
Quem sabe a criatura que o encontrou investigue, descubra meu telefone e diga com voz serena: - O senhor é o escritor que perdeu um filho?
Tem uma história que eu não transcrevi e ficou imaculada em seu original. Eu estava bêbado e não me lembro se falava de alegrias, de frustrações, de sonhos. Penso que falava sobre risos e lágrimas. Talvez fosse a letra de uma música. Não sei.
É muito difícil abrir mão da esperança de reencontrá-lo. Dói imaginar que lhe fizeram mal. Mas eu não vou desistir.
Onde você estiver meu filho, que Deus o ilumine para que só faça bem a quem o encontrar. Acredito piamente que o Criador não erra. Você possui ainda muitas páginas em branco. Ao meu lado, ou não, desejo que elas sejam preenchidas com verdades e paixões. É só o que posso desejar.