Cuidado com as palavras!

José nasceu de parto prematuro. As orações da mãe, dona Josefina, reforçada pelos cuidados médicos praticados na maternidade municipal, salvaram-lhe a vida. Por todos os dias transcorridos do nascimento ao batismo na igreja do Sagrado Coração de Jesus, a mãe entregou o destino do menino a Deus.

Melhor proteção ele jamais teria!

No dia do batizado, aos seis meses de vida, a igreja ficou lotada de fiéis. Dona Josefina aproveitou a presença dos padrinhos e do vigário, pastor espiritual e amigo da família, para fazer uma promessa a São José, santo de quem o filho herdara o nome, orgulhosamente. A beata obrigara-se, diante do altar, em fazer de José um padre, um homem santo que se dedicasse à catequese, ao refrigério espiritual das almas carentes, e aos pobres, desvalidos da sorte, que abundantemente povoavam a pequena cidade em que nascera.

O padrinho de batismo de José, coronel remanescente da política paraibana, prontificou-se a enviar o garoto ao seminário na capital, onde lhe seriam ministrados ensinamentos bíblicos, devocionais e boa dose de cultura e saber secular.

Com o tempo, o garoto tornou-se rapaz feito. Exibia estatura mediana e peso que não o distinguia como pessoa robusta. Era magrinho, mas de excelente vigor físico. Dedicava-se aos estudos com determinação. Às penitências, para tornar-se santo, como desejava a mãe, entregava-se de corpo e alma. Até exorbitava dos sofrimentos que se impunha, fazendo da disciplina um propósito. Jejuava duas vezes por semana, lia o missal diariamente, orava com bastante frequência e não esquecia as boas obras, praticadas em comunidade próxima ao Seminário Diocesano.

José era uma benção!

Dois anos depois da ordenação, o novo padre foi para o Vaticano, onde fez doutorado em Filosofia das Religiões. Na Santa Sé, destacou-se com louvor. Ao final do curso, retornou ao Brasil, vestido em sua tradicional batina preta, indumentária que trajava para confirmar a vocação escolhida. Tomou posse como vigário de modesta igrejinha localizada na periferia da capital, lugar em que exerceu o sacerdócio com abnegado amor cristão.

Com o tempo, José ganhou o respeito e a admiração dos fiéis de sua paróquia. Em diversas ocasiões, foi homenageado pela Câmara de Vereadores por relevantes serviços prestados ao povo humilde e carente de João Pessoa, sede do seu estado natal.

A maior virtude do bom padre, todavia, era a prática da caridade.

Embora os muitos afazeres exigissem sua presença à frente da diocese, José frequentemente viajava pelo país, ministrando palestras edificantes da Palavra de Deus, à luz da filosofia, ciência que dominava com desenvoltura.

Certa vez, de retorno ao seu estado, dividiu o braço da poltrona do meio do avião com um senhor visivelmente embriagado, que passou a incomodá-lo com conversas incoerentes, pronunciadas com a boca “cheia de língua”. O cidadão lia um jornal tão amassado quanto o terno cinza que trajava. Em certo momento, o bêbado perguntou ao padre, depois de migrar a vista do jornal para a fisionomia do santo homem:

- O que significa artrite?

Padre José, já visivelmente aborrecido por horas de incômoda presença, respondeu:

- Artrite é uma doença terrível. É provocada por vida pecaminosa, desregrada, promíscua, levada ao extremo da irresponsabilidade, com abundância de bebidas alcoólicas e sexo incontrolável; dá-se, também, por uma série de outras aberrações sociais, que nem ouso dizê-las.

O homem calou-se e fitou as letras do jornal com raro interesse.

Minutos depois, o padre José reconheceu que fora indelicado com o bêbado, com a clara intenção de atribuir-lhe as mais degradantes anomalias sociais de um mundo reconhecidamente pecaminoso. Na tentativa de se redimir, perguntou ao homem:

- Há quanto tempo o senhor está com artrite?

O bêbado respondeu:

- Eu? Não tenho artrite! Segundo este jornal, quem tem artrite é o Papa.

Padre José não teve dúvidas. Religioso de boa formação, homem temente a Deus e respeitador dos direitos individuais e, ainda, filósofo de reconhecido saber, não soube dominar o ímpeto das palavras.