COMUNICAÇÃO INTERNA

Crônica de Oubi Inaê Kibuko

Por volta do ano de 1977/1978, por indicação de um vizinho, Paulo Bhekani exerceu a função de Ciclista numa rede bancária paulistana. Contava vinte e poucos anos, origem humilde e operaria, fé espirita-cristã, ensino primário incompleto. Urgências familiares o forçaram a trocar os livros escolares por carteira profissional assinada, independente do porto. O mais importante, segundo o pensamento vigente, era estar ancorado em algum lugar, em vez de ficar à deriva exposto às tempestades.

Inúmeras vezes Bhekani passou em frente a Bolsa de Valores de São Paulo, situada na Praça Antônio Prado. Mas nunca perguntou, nem teve curiosidade em saber a sua origem, antecedentes da imponente edificação e serventia para a cidade e seus habitantes. Quando a fé oscilava e precisava energizar o espírito perante ricas imagens referenciais, tirava uns minutinhos para rezar na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Largo Paissandu.

Paulo Bhekani gostava era das ruas, de contemplar o sol, de sentir o vento batendo no rosto. Suas aspirações limitavam-se a umas duas quadras. Voos maiores, a terra prometida haveria de prover. Exceto um, que ele fazia questão de pessoalmente fazê-lo decolar. Tanto que ele travava o guidão e descia a Avenida São João, a Rua Florêncio de Abreu, a Ladeira Porto Geral ou percorria a Rua Boa Vista, o Viaduto do Chá, o Viaduto Santa Efigênia pedalando o triciclo de braços abertos, imaginando-se como gaivotas planando sobre mares e oceanos.

Certa manhã, Amarildo, chefe do setor, comunicou carrancudo reunião geral após o almoço. Imprescindível a presença de todos os funcionários do Departamento de Expedição. Um setor que não exigia maiores qualificações, além de saber pedalar e disposição para transportar malotes.

Eram resquícios dos tempos em que se ingressava nos quadros das empresas como aprendiz e galgando escadas onde havia carreira, aposentava como oficial. Sortudo o alfinete que encontrava almofada e seus bons préstimos caiam nas graças da diretoria. Se fosse demitido havia casos em que bastava atravessar a rua para recolocar-se.

O ar ficou mais amarelo que sinal de trânsito durante as madrugadas. Os minutos transcorreram apreensivos, fantasmagóricos, guilhotinescos…

Paulo Bhekani, assim como outros colegas, tinham suas responsabilidades. Umas planejadas, outras impensadas ou circunstanciais. Cada um se entocou em si. Via-se no olhar de cada um a procura angustiada de respostas pelos motivos daquela convocação.

Aquela rede era um lugar bom de se trabalhar. O pagamento era pontual. Os colegas se tratavam como família. De manhã e a tarde serviam farto lanche. Quinzenalmente jogavam futebol de quadra. Aniversários não passavam sem um bolo, salgados e refrigerantes.

A hora critica chegou.

Estão todos aqui? - perguntou Amarildo com semblante sério. O chefe sempre brincalhão e sorridente desaparecera.

Eu vou dar cinco avisos. Prestem atenção porque não vou repetir. Nossa empresa e talvez toda as corporações bancárias vão passar por mudanças profundas. Verticais e horizontais. Portanto: Quem tem seu emprego trate de assegurar; quem não tem profissão definida trate de se nortear; quem tem pouco estudo trate de melhorar; quem está parado no tempo trate de se atualizar. Tempos cinzentos vem vindo e vai atingir todas as áreas a elas subordinadas. A reunião está encerrada.

Bhekani firmou os olhos no infinito. Viu Noé confabulando com Nostradamus, seus sonhos se espatifando e espalhados pelo chão. Para o Amarildo falar daquela maneira, provavelmente cabeças iriam rolar dentro e fora. Como num pesadelo, gordas ratazanas choravam desesperadas, por terem subtraído os queijos que elas se empanturravam nos costumeiros depósitos.

Com a ajuda de Zumbi dos Palmares, a pedido de Oxalá, Jesus Cristo despregou-se da cruz e apoiando-se nos ombros de Aqualtune e Dandara lhe disse: Paulo Bhekani, você entendeu o recado??? Levanta-te e anda. A nossa parte já foi feita desde o teu primeiro suspiro matinal. E meio caminho já foi percorrido. O restante da jornada agora é contigo. Onde estiveres pavimentando horizontes, ao teu lado estaremos.

Bhekani. Nome africano de origem Zulu que significa: Aquele que traz a chuva.

Oubi Inaê Kibuko = @oubifotografia

COHAB Cidade Tiradentes para o mundo, 04/03/2010.