PARADOXO DOS SONHOS E DOS NOMES

Prof. Antônio de Oliveira

aoliveira@caed.inf.br

Os pais costumam ter um trabalho danado para escolher o nome dos filhos. Não é sem razão que, depois de todo esse esforço, ninguém queira ser tratado, anonimamente, como “o próximo” ou como o cliente do guichê 5 ou como portador da senha 24 ou como um tal de fulano. E ser tratado pelo nome é mais do que um sinal de consideração e individualidade. É também sinal de que o cidadão tem um nome, é respeitado. Meu nome é Enéas, repetia, com orgulho, persistente candidato a presidente da República. Toda pessoa tem um nome, ou um apelido de que gosta, e deseja ser VIP, “Very Important Person”.

Por sua vez, o nome, seja de pessoas seja de bairros, antropônimos ou topônimos, nem sempre coincide com a realidade. Mas pode revelar otimismo ou até ironia da história. Conheci uma moça que se chamava Celina e que não gostava de viajar pelos céus de avião. Belo Horizonte, em decorrência da fome imobiliária, virou Triste Horizonte num poema de Carlos Drummond. Um advogado, sobrenome “de Deus”, foi condenado à pena de reclusão, em maio de 2001. Uma menina, de nove anos, morre, no dia 18 de dezembro de 1998, conforme noticiou a imprensa, ao ser levada, pela enxurrada, para dentro de uma canaleta, no Conjunto Felicidade, em Belo Horizonte. Morte de adolescente, no dia 5 de maio de 2001, deixa o bairro Jardim Felicidade, na região norte de Belo Horizonte, com medo, pais temendo pela vida de seus jovens, informou, na época, o repórter. Aliás, temendo pela morte, não pela vida. Em Lagoa Santa, na região metropolitana de Belo Horizonte, o bairro Vila Rica teve casas demolidas por um vendaval na noite de 5 de novembro de 2008. Um assaltante, de 25 anos, é o segundo membro de uma família linchado no Bairro da Paz, no dia 26 de outubro de 2000, à noite, na capital baiana. “O Haiti, de nome poético, ‘Terras Altas’ ou ‘Montanhas sobre o Mar’, que foi um dos lugares mais prósperos das Américas não resistiu à sina da instabilidade política e, antes do terremoto natural, sofreu seus terremotos políticos, arrastando o povo para a miséria.” Moradores de Vila Beija-Flor passaram o dia limpando a sujeira e reparando os estragos provocados pelo temporal da véspera. Essa véspera pode ter sido ontem, no Brasil e no mundo...

Todos essas palavras usadas com função nominativa, Celina, Conjunto Felicidade, Lagoa Santa, Belo Horizonte, Bairro da Paz, Haiti, Beija-Flor, Fulano de Deus revelam o sentimento bom, o desejo de harmonia que vai no coração das pessoas. Entretanto, nomes assim acabam por contrastar com tragédias e violência. É que nem sempre a linguagem ideal reflete a realidade, à semelhança de boas leis, piedosos sermões, lições de moral. Vale a pena lutar um pouco mais pela coerência entre pregação e ação, discurso e prática, razão e sensibilidade. Eldorado dos sonhos e realidade do dia a dia. Fé e amor. Obsessão da velocidade e congestionamento no trânsito.

Disse Padre Antônio Vieira que cada um sonha como vive.

Mas parece que cada um sonha também como gostaria de viver...

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 12/02/2010
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