Ler Quintana é como ler amigos distantes. A metonímia aqui é apenas para o Quintana, aos amigos distantes eu penso que os lemos como quem lê um poema, uma canção, uma expressão, um conto, uma crônica, não importa o gênero e o tamanho, alguns até são romances inteiros, amigos distantes são as páginas desgrudadas daquilo que poetas chamam de livro da vida.
Ler Quintana é como ler amigos distantes. Os amigos próximos não os lemos, são as páginas que ainda estão a se escrever, vivem conosco, estão ali, ao telefone, gritando em nosso ouvido que hoje à noite tem um violão e um caderno de músicas; tem aqueles que se reúnem à mesa, para uma feijoada, uma vaca atolada, um baião-de-dois, pois o paladar do mundo inteiro prefere nossos temperos; os amigos que perguntam, o que estás lendo? Saramago, que bom que temos alguns contemporâneos como ele, Eco, o Garcia Marques; relançaram o André Gide, inclusive com duas obras inéditas por aqui; os caras novos, muitos escrevendo, é o mercado, tem de garimpar, acabamos encontrando um Orhan Pamuk, e nele uma narrativa poética digna de um Hesse, de um Gabeira; o que fará no carnaval? nada, desta folia me canso, vamos só ficar por aí e conversar nossa conversa fiada.
Quintana não é isto. Quer dizer, também é, alguém que está sempre aqui, mas é mais alguém que não está, talvez porque fale de um tempo que já não é, como aquela nuvem, eterna, que se desmanchou em pleno ar (antes que me acusem de pleonasmo, saibam que tem nuvens que se formam e se desmancham dentro de nossos olhos, onde o céu é só um cenário, um pano de fundo como faziam nas gravações, antes dos tais efeitos especiais).
Falar de varanda, de rua de terra, de cheiro de chuva, de ficar deitado na grama mordiscando capim (e olhando nuvens, sempre), da tia que fazia doce, de doce de abóbora, das obras de lili, do cão e do poste, dos pássaros, do trem, do riacho, dos peixes do riacho, e dos meninos que pescavam peixes no riacho.
Lembre-se de um amigo distante, um olhar que você já não vê mais; lembre-se do que ele dizia, e você já não ouve mais; lembre-se das coisas que ele fazia, e você já não faz; lembre-se daquela alegria, da simplicidade, do medo de perdê-lo (e perdeu), da saudade, da crítica que você aceitava, do elogio que você não esperava, isto é um amigo distante se você o lê, se você o ama. Um amigo distante é como ler Quintana.
SAUDADE
Via você na janela na distância,
na solidão na penumbra do amanhecer.
Via você na noite, nas estrelas, nos planetas,
nos mares, no brilho do sol e no anoitecer.
Via você no ontem , no hoje, no amanhã...
Mas não via você no momento.
Que saudade...
Mário Quintana
Ler Quintana é como ler amigos distantes. Os amigos próximos não os lemos, são as páginas que ainda estão a se escrever, vivem conosco, estão ali, ao telefone, gritando em nosso ouvido que hoje à noite tem um violão e um caderno de músicas; tem aqueles que se reúnem à mesa, para uma feijoada, uma vaca atolada, um baião-de-dois, pois o paladar do mundo inteiro prefere nossos temperos; os amigos que perguntam, o que estás lendo? Saramago, que bom que temos alguns contemporâneos como ele, Eco, o Garcia Marques; relançaram o André Gide, inclusive com duas obras inéditas por aqui; os caras novos, muitos escrevendo, é o mercado, tem de garimpar, acabamos encontrando um Orhan Pamuk, e nele uma narrativa poética digna de um Hesse, de um Gabeira; o que fará no carnaval? nada, desta folia me canso, vamos só ficar por aí e conversar nossa conversa fiada.
Quintana não é isto. Quer dizer, também é, alguém que está sempre aqui, mas é mais alguém que não está, talvez porque fale de um tempo que já não é, como aquela nuvem, eterna, que se desmanchou em pleno ar (antes que me acusem de pleonasmo, saibam que tem nuvens que se formam e se desmancham dentro de nossos olhos, onde o céu é só um cenário, um pano de fundo como faziam nas gravações, antes dos tais efeitos especiais).
Falar de varanda, de rua de terra, de cheiro de chuva, de ficar deitado na grama mordiscando capim (e olhando nuvens, sempre), da tia que fazia doce, de doce de abóbora, das obras de lili, do cão e do poste, dos pássaros, do trem, do riacho, dos peixes do riacho, e dos meninos que pescavam peixes no riacho.
Lembre-se de um amigo distante, um olhar que você já não vê mais; lembre-se do que ele dizia, e você já não ouve mais; lembre-se das coisas que ele fazia, e você já não faz; lembre-se daquela alegria, da simplicidade, do medo de perdê-lo (e perdeu), da saudade, da crítica que você aceitava, do elogio que você não esperava, isto é um amigo distante se você o lê, se você o ama. Um amigo distante é como ler Quintana.
SAUDADE
Via você na janela na distância,
na solidão na penumbra do amanhecer.
Via você na noite, nas estrelas, nos planetas,
nos mares, no brilho do sol e no anoitecer.
Via você no ontem , no hoje, no amanhã...
Mas não via você no momento.
Que saudade...
Mário Quintana