VELHA GUARDA JURÍDICA
A partir de texto de memórias da profissão publicado na internet, houve manifestação de interesse sobre o perfil de um antigo chefe e mestre, Isaac Soibelmann Melzer, que, Desembargador aposentado, chefiara a assessoria jurídica do Banco Crefisul de Investimentos e fora esteio técnico de seu criador e acionista majoritário, Aaron Birmann - expoente de nossas finanças, sócio de Assis Litvin e de Henrique Sirotsky, na então muito conhecida SIBISA. Estas lembranças remontam a primórdios da década de setenta, quando aquela instituição financeira, CREFISUL, com qualificado grupo de profissionais, era destaque no país e expressiva força regional.
As corporações modernas tendem a terceirizar seus serviços jurídicos e fica mais difícil vislumbrar advogados de referência em seus quadros, como no passado, quando se sabia quem era quem em cada organização, que, de resto, primavam em especializar profissionais. Hoje, querem logo os de "notória especialização", às vezes mais teóricos e acadêmicos do que realmente experientes na área do conhecimento específico demandado: é o profissional "prêt à porter", coisa relativamente de "moda". Melzer era supremo guardião das artes e manhas do Direito no grupo financeiro Crefisul e eventuais "notórios" só eram contratados com sua bênção e sob sua responsabilidade. Esperto, encarregou os filhos, quintanistas de Direito da UFRGS, de escolher colegas de aula para a composição de um pelotão de combate que atuaria sob seu comando. “O velho” não era homem de altas elucubrações: era prático, arguto e acumulava grande experiência na profissão, desde a comarca de Itaqui, onde exercera jurisdição. Sabia que era preciso inovar e especializar, afinal, o mundo jurídico estava em ebulição, no compasso da célere evolução econômica e tecnológica. Dentre os vários formandos que elegera para constituir sua equipe de choque, naturalmente havia os que menos o agradavam. Em defesa desses colegas, costumávamos sair pela tangente: é o estilo dele, doutor. Melzer arrematava, com ar filosofal: “Olha, meu filho, o estilo é o homem.” Quando era preciso enfrentar questão jurídica controversa e de alta indagação, habitualmente demandava a três ou quatro discípulos estudo profundo e parecer individual. Adorava estimular a competição entre os seus escudeiros. Depois, com a proverbial serenidade, escolhia caminho que melhor contemplasse a conveniência empresarial, respeitando a liberdade de expressão de cada um. Birmann confiava cegamente no tirocínio de seu gendarme legal.
Ao fim do expediente, rigorosamente, não discutia problemas de trabalho, pois não havia assunto que não pudesse aguardar solução para o dia seguinte, o que também serviu como lição sutil de sabedoria. Nunca fez o gênero de trabalhar até tarde, como se o mundo findasse no outro dia, o que alguns adoravam: às 17:30 horas, no máximo às 18:00 horas, apanhava o jornal, cortava o papo e ia pra casa. Geralmente afável e de bom humor, apreciava transmitir ensinamentos de vida. Era, afinal, um tempo em que se respeitava a experiência, a antiguidade e a hierarquia, sendo a emulação profissional civilizada. E havia o interesse em transmitir alguma coisa do acervo cultural daqueles mais experimentados. Talvez escritórios maiores e algumas empresas privadas ou públicas ainda cultivem suas relíquias - não acredito. Hoje, há muito pouco espaço para que prepondere o fator humano e, consequentemente, para que viceje a liberdade de ser, de pensar e de criar: quem não agrada cai fora e o interesse dos que decidem é limitado ao curto prazo; é a cultura do "food truck; nem todas as próprias universidades prestigiam e respeitam seus melhores pensadores. São os novos tempos.