Você é Jimmy Page. Estamos no verão de 1968 e você é um dos mais conhecidos guitarristas de Londres – e um dos menos famosos... (Mick Wall, Led Zeppelin, Quando os Gigantes Caminhavam Sobre Terra – Larousse)
 
E você, se não o guitarrista mais rápido, se não o mais técnico ou o mais puro, certamente o mais completo e preparado, conseguiu. Conseguiu um vocalista selvagem, um hippie do Black Country, um deus grego na aparência com uma voz rouca, alta e vibrante, Robert Plant; conseguiu o baixista mais virtuoso, o melhor músico, o mais experiente, John Paul Jones; conseguiu “a besta”, o maior baterista do rock, que tocava mais alto que qualquer um, que criava novas técnicas e fazia suas próprias viagens, como ele mesmo dizia, saia do fundo do palco, John “Bonzo” Bonhan; você, Jimmy Page, conseguiu formar a melhor banda de rock de todos os tempos, aquela que cairia como um Zeppelin de Chumbo, nos dizeres de Keith Monn, e assim foi batizada: Led Zeppelin.
 
Devo tê-los ouvido pela primeira vez onde ouvi o Black Sabbath, o Deep Purple, o Van Halen, o ACDC, lá na casa do Nivaldo, trancados em seu quarto, eu, ele, o Joanilson, o Jair, e àqueles meninos de Ibitinga.. Eles me apresentando os caras, depois de um tempo eu voltando, trazendo os caras que estavam chegando por aqui naquela época, Iron Maiden, Scorpions, Dio; era só pauleira, somente rock and roll.
 
E o Led Zeppelin, desde então, sempre me acompanhou (no poema Porque Hoje é Sexta-feira, há um verso: “uma sã nostalgia \\como ouvir uma boa e velha banda de rock and roll”. Led, é claro), e continua, ou eu continuo, em seu caminho.
 
Disco Sertanejo
 
Acabara de fazer anos, 17, 18, não lembro-me quantos. Era uma de minhas fases nômades, e parei por uns dias na casa de minha irmã, já estabelecida em Campinas. Ela comprara e guardara um presente para mim: Dressed to Kill, um dos melhores álbuns do Kiss; como bônus ao presente, me informou que pagara 1 real pelo disco (claro, era outra a moeda, mas se não me lembro nem de qual aniversário, quanto mais qual a moeda...), e o nome da loja que estava em promoção.
Corri para lá, porém cheguei tarde, a promoção acabara. Havia sobrado alguns discos, sertanejos (na época, ainda não havia a vertente brega na música caipira), e eu, desolado, fui passando os discos enquanto conversava com o vendedor. Prendeu-se entre meus dedos, cresceu ante meu olhar, um disco com a foto de um velhinho carregando um feixe de lenha, sem nome do disco ou do cantor. Quanto, este? Perguntei, e o vendedor: Se está aí nesta pilha, 1 real. Vou levar. Quer ouvir. Nãoooo! Se o cara não conhecia o Led Zeppelin Vol. IV, o quarto disco mais vendido da história da industria fonográfica, e o confundia com um disco sertanejo, eu não daria a ele a oportunidade de ouvir Rock’n Roll, Misty Montain Hop, Black Dog, Starway to Heaven, não antes que eu comprasse o disco.
Fui embora levando um clássico do rock, ainda hoje quando o ouço, lembro-me daquela pilha de discos sem memória, escondendo um som imortal.
 
 
A Vida Começa aos 40
 
É, este um dito popular que iremos prestar atenção quando chegar nossa hora, ou melhor, nosso ano, de completar os 40. O meu foi já há 3, e estava mais encanado com as questões da seriedade, do amadurecimento, pelas quais eu passaria a ser cobrado, com meu próprio estilo de viver, do que em estabelecer o fim ou o começo de uma era pessoal.
O pensamento é, e deve ser, volátil; as verdades tem de ser possíveis mentiras; as sentenças de pedra, que sejam de pedras rolantes, para fazer um trocadilho musical. O que fica, o que marca, é o ato e a obra.
Estava em Itatinga (não, sátiros anacrônicos, não se trata da famosa “zona de meretrício de Campinas, há uma pequena cidade homônima no oeste paulista), casamento da sobrinha do Quiel, ele iria tocar as músicas do casamento e depois as do baile. Acabada a cerimônia, com dois litros de Black na bolsa, fomos à festa. Era dia 07. Meia-noite, zero hora, dia 08, virada do calendário, meu aniversário, e nós nos embalos dançantes, quer dizer, eu não danço, só ali viajando, meu momento solitário em meio aos pés-de-valsa.
Avistei A., moleque, estudante de artes plásticas, grandes idéias, e um grande baseado, certamente ele tinha. Chamei-o, convidei-o para dar uma volta de carro, pegamos a estradinha que liga a cidade à rodovia, tudo escuro sob o luar, Led Zeppelin em alto volume, era assim que curtia minhas madrugadas aos 20 anos, por isto escolhi entrar assim na década dos 40. Uma homenagem a mim mesmo, a quem eu havia sido; uma aventura nostálgica; um aviso para o futuro: eu sempre me darei os momentos de loucura e irreverência, que necessite para viver.
A “viagem” foi incrível, este tipo de experiência não dá para relatar, a música consegue, quase tudo o que foi feito de bom nos anos 60 e 70 surgiram de experiências assim. O que posso descrever é o fim da “viagem”. Cheguei ao hotel, fui direto para o quarto e do quarto para o banheiro. Tudo girando, eu sem forças, ouvindo os caras me procurando, saindo, e eu fiquei lá, um bom tempo até conseguir levantar e me atirar na cama, que também estava girando, Led tocando, o céu subindo e descendo. Apaguei.
Ao acordar, na manhã seguinte, entendi, afinal, que fizera 40 anos.
 
 
 Pegadas
 
Um dia límpido e quente de verão, o carro rodando pelas montanhas que dividem o chão paulista do sul mineiro, área belíssima e imensa que, disseram-me, foi à cratera de um vulcão, milhões de anos atrás (acho que no tempo dos gigantes).
 
Por falar neles, estava a ouvir Led Zeppelin. Tenho lá minhas incongruências, às vezes parado na terra inóspita que margeia o Tiete, entre um dilúvio de carros, ponho a tocar um jazz, a música que a Ana me ensinou a ouvir contra a depressão; já nas estradas retas, de velocidade, ouço blues, uma “viagem” dentro da viagem (precisei parar e comprar Janis Joplin e Eric Clapton para ouvir, quando rodava há 200km por hora, nas rápidas pistas alemãs); em casa é quase só MPB, ouço cantando com toda minha desafinação. Lógico, canto umas dez oitavas mais baixo, para que somente eu possa me ouvir.
 
Entre riffs, solos de bateria, a orgia de sons que só eles (e os Mutantes) conseguiam fazer, a voz e os gritos do Plant se destacavam, aaaaah, aaaaah, we come from the land/ of the ice and snow
, e de repente ao fundo, do banco de trás do carro, ouvimos aaaaaaaaaaaah.... era Marina em um perfeito backing vocal para Immigrant Sound.
 
Os gigantes já não caminham mais sobre a terra, porém enquanto houver quem lhes siga as pegadas, o som de seus passos será eterno.