A sorte não lhe sorriu como às outras

Raul, depois de alguns anos trabalhando na roça, resolveu mudar-se para a cidade grande, desejoso de desfrutar uma vida confortável ao lado de Isadora, sua primeira namorada. Antes, precisaria casar; do contrário, a união não seria abençoada pela família. Os pais de ambos eram da mesma parentela, por isso, o casamento fazia o gosto de todos.

A data do feliz enlace foi marcada para o mês de junho, período de grandes comemorações sertanejas. Seu Ermelino e Dona Mimosa, pais da noiva, eram devotos de São João, santo que, aliado a São José, providenciara grande fartura, advinda do bom “inverno” daquele ano de chuvas generosas.

A cerimônia matrimonial realizou-se na capela da vila, e os festejos, na casa da noiva. Aos pais da nubente cabia a honra de oferecê-la ao futuro marido como jovem prendada e acima de tudo donzela, uma raridade nos dias atuais. A festa tinha como finalidade atestar a virgindade de Isadora; valeria como “atestado de castidade” a ser exibido ao noivo e aos convivas. “Para moça perdida não se faz festa de casamento”, dizia seu Ermelino aos amigos e vizinhos, satisfeito com o acontecimento festivo.

Não faltaram a galinha gorda, a carne de carneiro capado e a buchada de bode, regados a cervejas depositadas no fundo de potes de barro, para permanecerem friinhas, ao gosto de todos. O sanfoneiro animava o baile no terreiro de terra batida, enfeitado de bandeirolas coloridas. Os casais de namorados, vez ou outra, escapuliam para uma moita de mato, que lhes dava guarida para seus impulsos mais frenéticos.

Casados, Raul e Isadora foram morar em São Paulo, cidade que, ouviam dizer, era o “paraíso” para quem desejasse fazer do trabalho um trampolim para uma vida melhor, mais confortável, cheia de esperanças futuras. A pouca idade também despertava no jovem casal a vontade de frequentar boas diversões. Raul sonhava ser torcedor do Corinthians, mas, sabedor de que esse era o clube da paixão do Lula, depois de declarar-se à Dilma Rousseff, a ponto de ofuscar-lhe a razão, resolveu fazer parte da “Mancha Verde”. Torceria pelo Palmeiras, até para não se assemelhar, o mínimo sequer, ao presidente da República, por quem tinha declarada ojeriza.

Certa vez, Raul fazia a limpeza dos vidros das janelas de um edifício de dezesseis andares. Ele e mais dois colegas estavam suspensos em um andaime. De repente, sentiu fortes dores de barriga, resultado das pingas ingeridas na noite anterior. As cólicas intestinais o impediam de trabalhar. Queria descer, mas o elevador fora mudado de lugar. Por sugestão de um dos colegas, bateu na vidraça de uma janela do décimo terceiro andar. Atendido, pediu para usar o banheiro, pois se encontrava aflito. Autorizado pela moradora, uma senhora de meia idade, passou pela abertura e adentrou a casa. Minutos depois, o andaime despencou com os dois outros operários, matando-os imediatamente.

No dia seguinte, no velório, o proprietário da empresa em que trabalhavam pediu a palavra e se dirigiu às viúvas dos inditosos operários. Disse-lhes que a ambas faria uma doação de cem mil reais, dar-lhes-ia um carro para se locomoverem pela cidade, custearia os estudos dos filhos até a maior idade e fornecer-lhes-ia uma quantia, a título de pensão, da ordem de três mil reais por mês. Disse, ainda, lamentar profundamente o ocorrido, uma fatalidade, uma perda irreparável para elas e para a própria organização em que os “de cujus” trabalhavam, pois em vida foram excelentes empregados.

Isadora, presente ao velório, na companhia de Raul, meneava a cabeça, com os braços cruzados sobre o peito e o pé direito batendo de leve no assoalho. Olhava para o marido, a cada expressão do proprietário da empresa, homem generoso e admirável. Em dado momento, sem se desfazer de nenhum dos gestos de indignação, disse para Raul:

- E o bonitão, aí, cagando!