Um sentido para a vida
Perdi as contas de quantas vezes me deparei com um silêncio enorme no coração. Culpei minha falta de fé, minha preguiça, o destino. A ausência do meu filho, a impaciência com minha esposa. Enfim, de tempos em tempos parece que a vida para.
Hoje é um dia assim, acordando atrasado, saindo sem café, encontrando com o chefe emburrado. Um dia quase sem trabalho, quase um telefonista. Ligo o computador, acendo um cigarro, tento expor pra vocês o que estou sentindo: desejo algo novo e temo o novo.
As palavras de pseudoescritor são falhas, me perco em meus olhos refletidos na tela do computador. Minha mãe está triste e meu cachorrinho tem uma ferida na pata que nunca sara.
A chuva que era branda se intensifica, cai um raio que me zoa, o computador se apaga e meu reflexo silencioso fica ainda mais forte no espelho escuro do monitor. Acendo outro cigarro, religo o computador, minha mente insegura voa no vazio. Qual o sentido? Qual a razão? Que lógica ou poesia me fortalecerá dessa vez?
Seria bonitinho se eu dissesse que um arco íris se abriu no céu, mas a chuva continua torrencial. Tenho ainda dois cigarros e me esperando em casa um vinho chileno. Talvez eu prefira a taberna e uma bebida mais forte. Mas eu não sou tão forte como antigamente. De certo que vou pegar meu caderno e tentar escrever um poema.
Relapso
Copo duplo,
não domestica a alma.
Qual o sentido da vida? E até que ponto essa pergunta é na realidade tão cretina? Se ao menos alguém lesse o que eu escrevo e de preferência achasse bom, isso daria algum resultado.
Talvez eu largue tudo e ame minha mulher. Talvez eu faça uma brincadeira sem graça que arranque um sorriso da mamãe. Talvez por milagre a ferida de meu melhor amigo sare e meu filho beije meu rosto cansado. Mas nada de sol. E Deus?
Resta-me ainda um cigarro. Minha tosse é longa e dolorida. Difícil é entender que nós os provedores, os protetores, os velhos com cicatrizes da labuta, precisamos de colo, precisamos chorar.
Uma hora esse dia acaba. Copo duplo calado e consentido.
O telefone toca, mas é engano. Sempre é.
Meu ultimo cigarro.