Conheci-o há alguns anos, ao acaso. Vagabundeávamos pela Paulista, ostentando aquele “orgulho besta de todo paulistano” (há quanto tempo li isto? não sei, mas foi muito antes do meu auto-exílio), naquela hora que precede a noite, as novas noites de outono com seu beijo gélido. “a tarde ardia em cem sois” Maiakóviski.
 
Num pequeno café, de mesas espalhadas pela calçada (como não se sentir no quartier latin, bebendo, cantando e conversando, com Sartre e Simone, Miller e June, Heminguay, Picasso, Modigliani) nos esquentávamos com capuccino e conhaque, quando pousou um poeta alegre, mostrou seu livro de poemas e pequenas peças teatrais, fez um e outro comentário obsequioso e depois borboleteou.
 
Passaram depois dois negrinhos (antes que protestem os politicamente corretos, contesto: afro-brasileiro é coisa de ativista, eu sou literato!) vendendo limões. Não venderam! Comentei que quando conheci as campinas onde hoje habito, havia também um negrinho que percorria as ruas do comércio vendendo limões, e os vendia todos, era muito bonitinho, e só havia ele. Conclusão, o lugar-comum não garante sequer a sobrevivência!
 
Passou o dia, mas o melhor dele só o soube depois, numa leitura lenta, atenta, embevecido.
 
Encontrei-o (ou foi ele quem me encontrou?) sob o vão do Masp, livros na mão, dá licença, posso me apresentar?, poeta, este é o segundo, como diz uma frase do Vitor Hugo, quinze reais, ainda tem dedicatória, se você entender minha letra, pois escrevo pior do que vejo - tinha, de fato, uma deficiência de visão, talvez, por isto, seu livro chama-se Imagem: “o coração vê melhor que os olhos”.
 
Melhor que tentar descrevê-lo, é escrevê-lo:
 
Escolha
 
escolhi comer a fome do mundo
andar pelos labirintos escuros da alma
agonizar sozinho um ofício de às vezes mentir
 
escolhi os desprazeres de uma estrada sem rota certa
escolhi degustar as breves e simples vitórias
e, ao mesmo tempo, rasgar o espírito,
cultivando o medo da próxima falha
 
escolhi atormentar-me à margem da imperfeição
ampliando em meu mundo
anseios que por vezes nem eram meus
 
Poetar!
foi minha escolha
 
Se alguém encontrar nas tardes paulistanas um poeta declamando estes versos, pare e vá ouvi-lo, compre seu livro, e conheça um sensível poeta chamado André R. Marques.
 
Hoje refiz meu percurso cíclico pela Paulista, ao qual acrescentei a Vinil Forever, onde encontro sons antigos, e muitas histórias de uma época rica, da poesia marginal (Leminski, Ana Cesar) da música de vanguarda (Arrigo, Itamar, Língua, Preme), muito rock, muito engajamento, muito amor.

Não vi em canto algum o André (nunca mais o vi), porém sei que de algum lugar desta metrópole ele observa a mim, e a todos, com seus olhos cegos. São coisas que somente ele enxerga, e verseja.