CIDADES EM CRISE

As infrações penais por vadiagem e mendicância já mereceram candentes debates jurídicos em que subjazem importantes ponderações ideológicas. Ninguém pode ignorar que vivemos em uma sociedade profundamente desigual e que, portanto, a legislação precisa vergar-se à contundência dos fatos sociais e econômicos.

Todavia, a miséria da condição humana tem de ser enfrentada pela coletividade, porque a omissão é sempre o pior caminho.

Espanta verificar a fragilidade de políticas públicas específicas e, especialmente, de iniciativas oficiais que, pelo menos, mitiguem os danos que o aumento crescente da marginalidade provoca.

Em épocas de crise e desemprego, todas as cidades, inclusive do mundo desenvolvido, expõem abertamente as suas chagas, independentemente de lei ou rigor de ação estatal.

Não seria diferente em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Aliás, a ebulição dos guetos, por motivos religiosos, econômicos e culturais, revela faceta ainda mais aguda do conflito social, como ocorreu há algum tempo em Paris. A gravidade desses eventos sobrepõe-se naturalmente aos ataques de batedores-de-carteira nas estações de metrô.

A circunstância de não vivermos assombrados pelo espectro do terrorismo, como foi o caso agudo de New York, não serve de alívio ou desculpa pelo incremento incontrolado de nossas mazelas mais típicas, como drogados de rua, bêbados inveterados, crianças a serviço da mendicância profissional, vagabundos de carteirinha e loucos de todo o gênero. Que se preservem os desafortunados, mas que se proteja igualmente a sociedade.

Porto Alegre vem paulatinamente revelando sua mais horrenda face, tão bela cidade que é. Basta atravessar praças, jardins, parques, viadutos e pontes, sobretudo à noite.

Cartão-postal da cidade, o Viaduto Otávio Rocha transformou-se em dormitório público, inclusive durante o dia, sob o sol escaldante de verão. Não há iniciativa eficiente para preservar o patrimônio público e, assim, a cidade vai sendo apropriada por alguns.

Nem se trata de falar de estímulo ao turismo, de limpeza ou segurança: a questão é maior, diz respeito à vida, à cultura, à civilização. Também concerne à disciplina social, porque não basta que haja respeito e dignidade na organização familiar, se a coletividade negligencia valores essenciais.