HOMENAGENS PÓSTUMAS

Acho que pecam por hipocrisia certas homenagens póstumas que instituições resolvem prestar a um falecido membro, por isto ou por aquilo. Aliás, todos nós pecamos. Vejam o relativamente recente caso do Belchior, sumido, foragido, duro, morando de favor no interior gaúcho, anonimamente. Aí, morre precocemente e o mito borbulha, ressurgem os fãs, aos milhares, com os elogios que sempre mereceu receber e curtir vivo, a despeito de seus problemas e idiossincrasias. Claro, a intenção pode ser boa, mas é manifestação tardia. Quantos morreram depois e viraram "grandes amigos", ídolos, santos, sem falar na grande maioria que só a família deu bola, e olhe lá.

Procurando na Wikipédia, deparei com uma distinção interessante: para a pessoa em vida é Prêmio, após a morte é Homenagem, com toda a pompa e circunstância. Dentro desta distinção singela, embora discutível, até que parece bem. O que se mostra patético é quando a homenagem esconde uma “mea culpa” por injustiça durante a vida da criatura incensada depois de já ter partido para o lado de lá. Seria o caso de perguntar por que não foram atentos e corretos enquanto o suposto homenageado andava por aqui, suando a camiseta, cumprindo obrigações e encarando o dia a dia na planície, com erros e acertos? Acaso se tornou mais distinto e importante por haver batido as botas, como irá ocorrer com todo mundo? Sei não, mas distinção assim, na melhor das hipóteses, tem cara de velório festivo como em filme americano ou missa de trigésimo dia. O sentimento de culpa é mesmo um inferno: quantas vezes somos mal-agradecidos, negligentes, egoístas, afobados, competitivos? Portanto, salvo quando o defunto mereça realmente um resgate histórico de bom tamanho, deixem-no quieto. "Requiescat in pace". Afinal, muita gente de grandes méritos morreu sem estardalhaço e jamais foi objeto de homenagem. Por outro lado, o reconhecimento solene é, às vezes, tão discreto e tão anêmico, que melhor seria impedi-lo. Não bastasse a desatenção em vida, o defunto é ainda desajeitadamente pranteado, só para que alguns se sintam mais confortáveis, coisa de algumas Câmaras de Vereadores. Há naturalmente casos aceitáveis, pertinentes, mas a regra é a de que morreu, vira santo e, no mínimo, uma cadeira de bar é destacada para resgatar-lhe a memória.

Vou ser bem franco, quando eu morrer (ou, como dizia um conhecido, SE eu morrer) me poupem desse suplício. Se quiserem me homenagear, me conferir algum prêmio, me distinguir com qualquer mimo, aproveitem meu pleno vigor físico. Depois de morto, não me venham com salamaleques e rituais de província. Não vou sentir qualquer gratidão. Não vou sentir nada. Aliás, não vou estar nem aí. Se os familiares quiserem fazer algo ou acolher o agrado para seu próprio desfrute, tudo bem, não sou contra, a vida continua para quem fica e toda lembrança tem seu valor, mas, se sorrir pudesse, vocês nem imaginam a minha cara de deboche. E se apressem, porque não tenho a vida inteira para receber esse prêmio que vocês NÃO vão me dar.