TÊNIS DE MARCA
O baile estava já estava uma beleza, aí começaram a cantar sua música favorita, e ela também entrou no couro, aliás, no couro e na coreografia:
Tô ficando atoladinha...
Tô ficando atoladinha...
Tô ficando atoladinha...
Tô ficando atoladinha...
Nisso, chegou o moreno, camisa social aberta no peito ostentando uma corrente de ouro.
No braço uma tatuagem enorme que ela não identificou direito se era uma águia um dragão ou Jesus.
Ele a olhou clinicamente dos pés à cabeça, e vice - versa igualmente (entendam aí o que quiserem).
Sainha, meia, tênis, uma blusinha com a barriguinha de fora, um piercing no umbigo, cabelo tingido de louro e liso de “chapinha”.
Ele de jeans surrado, e um par de tênis de marca que devia custar quase mil reais, e que era uma fixação dela...tênis de marca...Ah... tênis de marca...como ela era vidrada em tênis de marca.
Conversaram, tomaram umas e outras e resolveram ir embora.
Apenas um sarrinho dentro do carro e ele não a convidou para ir a um motel, fato que a fez acreditar que ele era um verdadeiro “gentleman” ...não querer levá-la para transar logo no primeiro dia, não é pra qualquer um...
Nem uma “rapidinha” ali mesmo dentro do carro ele quis...ela até topava...só sendo mesmo muito cavalheiro...ou então viado ela pensou...mas não... ele não levava jeito pra isso.
O carro dele era um Audi prateado novinho. Ela só estranhou uns fios emendados na coluna de direção e ele explicou que tinha perdido a chave.
Ele disse que morava na Barra, que era filho de um advogado famoso... Dr. João Roberto de Mendonça Carvalho e ele se chamava João Roberto de Mendonça Carvalho Júnior...- Juninho... para os íntimos...mostrou até um cartão de visita que estavam dentro do porta-luvas com o nome do pai. Disse que era empresário de jogadores de futebol e também agente de modelos, que ele recrutava no Brasil para desfilar no exterior. Disse até que ele conhecia pessoalmente a Naomi Campbell e que, a bem da verdade, não era lá essas coisas...ela só tinha mesmo é encontrado um bom agente.
Disse que ela era a maior gata e que maquiada e com um bom agente, como ele, teria grandes chances de vencer no mundo da moda da Europa.
Ela ficou toda satisfeita, e se animou para tocar no assunto em um próximo encontro...disse que morava em São Conrado, que era estudante da PUC e era filha da Dra. Clarice Angstron, uma famosa psicóloga dinamarquesa... que seu pai era um negro, por quem sua mãe se apaixonou e que depois de um breve namoro a engravidou e sumiu...
Ele parou na entrada de um edifício de apartamentos de frente para o mar, conforme indicação dela.
Ela ia descendo e ele a convidou para uma esticadinha no dia seguinte, sábado, mas avisou que provavelmente viria com outro carro pois aquele mandaria para o conserto, só que não sabia qual carro do seu pai estaria disponível.
Ela desceu, chamou o vigia, já era quase quatro da madrugada, o porteiro a reconheceu e abriu a porta.
Satisfeito, Juninho acelerou e foi embora.
Ela falou qualquer coisa com o vigia e saiu, caminhando madrugada a fora no rumo da Rocinha.
Chegou ao barraco já amanhecendo, foi só o tempo de tomar um banho, botar o uniforme, colocar em uma sacola das Lojas Riachuelo uma bermudinha bem justinha, mais um top, e uma sandália de salto oito... calcinha e soutien prá que?...não iria usar mesmo...em seguida desceu apressadamente as escadarias da favela. Tinha que chegar antes das sete, pois dona Clarice, sua patroa, não suportava atrasos...solterona...sem filhos não tinha muita paciência com brasileiros, embora pagasse muito bem e em dia seu salário...como é habito de quase todo estrangeiro.
Quando ia passando na pracinha da saída da Rocinha, pode ver um aglomerado de pessoas em volta de algo no chão.
Conforme diz a música do João Bosco: “Tá lá o corpo estendido no chão, em vez de rosto uma foto de um gol”...ela pode ver que se tratava de uma pessoa coberta por jornal.
Ouviu rapidamente o comentário que se tratava do Jorge Washington, vulgo “Sangue Bom”, um conhecido ladrão de carros, envolvido no tráfico de mulheres e que tinha sido morto naquela madrugada após uma troca de tiros com a polícia.
Achou até engraçado o pseudônimo coincidindo com o sangue do dito cujo que escorria pela praça.
Antes de seguir apressada, pode notar que o meliante calçava um par de tênis que ela achou igualzinho ao do Juninho e ela adorava tênis de marca... Ah... como ela era vidrada em tênis de marca.