O BOLO INGLÊS

No contexto das minhas “memórias”, resolvi escrever, há alguns anos, para um círculo bem íntimo, capítulos mais delicados de momentos de vida que nada tem a ver com o interesse público. Além do mais, não é todo mundo que reage bem aos que decidem desnudar fatos e situações de desagrado pessoal, circunstância que impõe, portanto, discrição. Não que as pessoas curtam somente histórias cor de rosa, engraçadas ou de sucesso, mas todos têm de preservar um espaço mínimo de intimidade e de respeito para com as próprias debilidades e idiossincrasias - o que aparentemente contrasta com a tendência de abrir a alma da pessoa que escreve e não teme o revelar-se.

Para espantar seus fantasmas, tem gente que bebe, cheira, tira a roupa, canta, corre, vai ao psiquiatra, trabalha sem parar, compra tudo ou nada faz; eu escrevo. Escrever é minha terapia, que precisa apenas de poucos leitores e, assim, vou despejando os diabinhos que infestam o sótão. Sem intermediários e sem custo com analista. Assim, também, vou organizando idéias e deixando fluir sentimentos, que não podem ficar presos a certas recordações, que podem adquirir tamanho desproporcional. Há quem não admita maiores contratempos nem para si próprio. Neste ponto, é importante assinalar que a publicação de texto não é terapia, terapia é escrever. Precisa o escritor usar um filtro adequado para evitar excessos. Quem escreve, assume responsabilidades, porque a palavra escrita é indelével e vai além da cancela.

Revolver a vida da gente é um pouco complicado. Como não pretendo escrever obra de memórias, publico passagens esparsas e mais interessantes. Livro de memórias é para personalidades públicas de grande expressão. Bruna Surfistinha não me deixa mentir. Como não sou celebridade e nem tenho os talentos da Bruna, vou permanecer compartilhando apenas no planeta virtual, o que já é um feito, além de me economizar terapia. Ênfase, destarte, ao agradável.

Então, lembrei-me de algo bom, leve e tradicional para escrever e dividir com os amigos: o bolo inglês – trazido, claro, pelos ingleses, a partir da chegada de Dom João ao Brasil, em 1808. No bar do trabalho, geralmente tomava à tarde uma taça de café com leite com um delicioso bolo inglês, macio, fresquinho, como estava habituado a devorar nos tempos de ginásio: cheirinho dos idos Anchietanos, pau a pau com o mil folhas, e um sabor de vida inteira. Ocorre-me que o bolo inglês é quase um emblema de existência tranquila, feliz e que vale a pena compartilhar. Coisa bem clássica da minha geração de prazeres simples e de baixo custo. Sou de alguns hábitos arraigados e manias. Você pode ter gosto diferente, mas garanto que sempre haverá algo como um bolo inglês para mexer com a sua sensibilidade e melhores memórias.