CARTA ABERTA DE UM CASAL DE MINEIROS

Antônio de Oliveira* e Isa Carvalho de Oliveira

Assunto: No Ceará tem disso sim.

Ontem, Iracema dos lábios de mel, de cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que um talhe de palmeira, de sorriso mais doce que o do favo da jati. Morena mais rápida que a ema selvagem.

Hoje, mulher cearense do sorriso de mel e sotaque de canto e encanto de sereia do mar e guerreira do sertão.

Ontem, mulher virgem e verde. Hoje, mulher madura e, antes de tudo, forte.

Forte de força de mulher rendeira que nos ensina a fazer renda, ensina a tecer um tipo de cultura que urge ser cada vez mais valorizado, juntamente com o inconfundível humor cearense. A cultura do lugar é que faz a diferença de outros lugares. E tem como fazer da morte Severina uma vida de Severino.

Forte de força de mulher que deixou de ter a submissão de uma Amélia que não é mais mulher de verdade.

Forte de força nordestina de mulher macho, sim, senhor, mas tecendo e reciclando uma nova mentalidade, produzindo desenhos novos.

Ontem, um nordeste coitadinho, explorado no seu mimetismo religioso e vítima da seca politicamente industrializada. Uma era de felicidade e justiça não se instaura apenas com promessas messiânicas.

Hoje, homens e mulheres, representados pelo melhor produto do Ceará, que é o cearense, redesenham e tecem um nordeste de saberes e sabores, de coqueiros e carnaúba, de praias, peixes, lagostas, camarões, de artesanato regional com suas feiras típicas e fortalecido hoje com a fortaleza das cooperativas; de atrações turísticas, de moda fashion, danças, ritmos e forró, de tapioca e rapadura, e plantam cajueiros onde, de resto, como em todo o Brasil, em se plantando tudo dá. E, se chove ou se faz sol, cada dia é um novo dia e merece um brinde, valorizando a cultura e cultivando tradições com uma cachaça de qualidade, com rótulos, nomes e dizeres pitorescos, expressões que transmitem otimismo, espalham felicidade e partilham a alegria criativa e contagiante dos cearenses. Quase tudo made in Ceará sem muito espaço para produtos invasores made in China. E que ninguém nos tire o que é nosso, independentemente de desgastantes brigas ideológicas entre direita e esquerda. Mais vale usar uma bússola, hoje em dia GPS, apontando para o Norte com a devida inclinação para o Nordeste.

O passado seja considerado um bastidor; uma jangada ícone simbólico; o futuro seja iluminado pelas luzes da ribalta de dias ensolarados.

No mais, Fortaleza é hoje um centro de convenções sem prejuízo da espontaneidade e do espírito hospitaleiro do cearense, qualidades que devem ser somadas e, não, frustradas na sua gente e nos seus agentes de turismo.

Hoje ainda há mazelas: arborização insuficiente, esmoleres humildes e indefesos ou petulantes e agressivos de mendicância ensaiada, assaltantes, exploradores, pichadores... mas como Fortaleza passou a fazer jus ao nome!

Não apenas por possuir um forte mas por fazer de sua fraqueza endêmica, empoleirada num pau-de-arara, um ócio criativo, uma nova civilização do trabalho. Gente que pode e gente que faz. Não mais em compasso de espera,

esperando a chuva cair ou esperando tomadas de providência dos governantes de antanho e, em parte, de hoje também, para passar empreendedoramente de enigmas de sobrevivência, de um abrir, no meio do bosque, um roçado que desse macaxeira e feijão, para uma economia de pujança. Tudo começa a dar certo quando a ficha cai, quando a cabeça muda, quando uma mentalidade empreendedora funciona como estímulo para estudar, trabalhar e produzir, sustentar-se e sustentar honestamente a própria família sem depender de sacos e bolsas de bondades. Ganhar dinheiro e prestígio, sem estudar, só excepcionalmente, ou em algumas profissões nem sempre decentes ou exercidas decentemente... Melhor não se pautar pelas exceções mas pelo desafiante e gratificante exercício da cidadania.

Exercer cidadania é poder estudar, é poder votar com independência; é poder eleger políticos idôneos e competentes; é propugnar por poder fiscalizar se a correnteza não leva nossos impostos pelo ralo. Em isso acontecendo, aí sim, vive-se diferentemente melhor, e para melhor. E que os bons políticos, infelizmente considerados exceções, possam, por uma atuação que vá além, muito além das bravatas de parlamentares de terno e gravata e travestidos de Vedetes do Pânico, ser considerados, como na linguagem bíblica, luz do mundo e sal da terra. No Ceará, hoje, se notam esse clarear e esse tempero com sal no aviar a receita da terra.

Ontem, o cearense, apesar de seu apego à terra, sonhava com a Terra da Promissão representada pelo Sul Maravilha. Como solução, sempre se erra quando se aposta em “dois Brasis” como, no caso, Brasil do Norte e Brasil do Sul. O Brasil deve ser visto como um só!

Hoje, o Sul vive em guerra civil de violência, traficantes contra polícia, cidadão ameaçado por linhas divisórias, amarelas e vermelhas de perigo iminente

em territórios tornados palco de disputa e tiros perdidos numa terra de ninguém. Esse fenômeno, caracterizadamente de desagregação do tecido social, atinge a subjetividade das pessoas que se sentem reféns de laços carcomidos por um sistema institucional falido. Te cuida, Sul Maravilha!

Em matéria de diminuição dos índices de corrupção e violência, pois em parte a segunda decorre sorrateiramente da primeira, objetivo e metas se confundem: a meta é sempre índice nulo de criminalidade.

Contrariando Luiz Gonzaga, no Ceará tem disso sim, ô xente!

Meu bichinho, no Ceará tem cearense macho, sim, mas que sangra como as mulheres, na voz precisa de Mia Couto, noutro cenário, cenário também fraterno da terra sonâmbula de Moçambique.

Dizem que o mineiro trabalha em silêncio. Já o cearense está trabalhando também sem arroubos de megalomania, de ufanismo ou de milagre nordestino, quando existe muita autoridade por aí falando em demasia e sem suficiente democracia.

As portas do desenvolvimento se abriram, para o cearense, ante as palavras mágicas “nós podemos”.

Abriram-se-lhe então os olhos e ele caiu como que impulsionado, mas degrau acima. Caiu na real.

Abriu-se-lhe um Novo Horizonte: o Sol nasce para Todos.

Belo Horizonte, 8 de novembro de 2009

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*Coordenador e Supervisor da Consultoria Acadêmico-Educacional (CAED). Técnico em assuntos educacionais há 30 anos, com experiências no serviço público e na atividade privada. Mestre pela Universidade Gregoriana de Roma. Realizou estágio pedagógico em Sèvres, França. É graduado em Estudos Sociais, Filosofia, Letras, Pedagogia e Teologia. Pesquisador e consultor, presta assessoria, dentre outras instituições, à ABMES, Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior, sendo responsável pela montagem do Anuário de Legislação Atualizada do Ensino Superior. Ministra também cursos de legislação do ensino superior.

aoliveira@caed.inf.br - www.caed.inf.br

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 24/11/2009
Reeditado em 15/12/2009
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